A corrupção no cenário brasileiro
16 de março de 2015

A corrupo no cenrio brasileiro

Introdução

Dentre as inúmeras variáveis que favorecem a perpetuação da corrupção no Brasil está a enorme distância entre a lei e realidade da população brasileira. De fato, a realidade da efetivação das garantias constitucionais está bem distante para aqueles que até possuem cidadania “política”, mas sequer estão próximos de atingir de fato a cidadania “civil”. Para estes que estão à margem da sociedade brasileira, a lei é uma realidade distante. O presente artigo tem como finalidade expor os fatos que levaram a inserção e a legitimação da corrupção no Brasil tendo como amparo o modelo desigual de acesso à justiça aos menos favorecidos.

O papel da apatia política da sociedade como forma de legitimação da corrupção no Brasil

A corrupção decididamente não é um fato que surgiu nos últimos anos, na verdade está presente no Brasil há muitos séculos e acompanha desde então as discussões em todos os âmbitos do país. Segundo Emerson Garcia, a corrupção, em seus aspectos mais basilares, reflete a infração de um dever jurídico posicional e a correlata obtenção de uma vantagem indevida (Garcia, 2011, p.1).

Portanto, a corrupção é uma velha conhecida da sociedade brasileira, desde a época do império passando pela República e Era Getúlio até os dias atuais, conforme descrito por Carvalho no seguinte fragmento de texto,

No século XIX, os republicanos acusavam o sistema imperial de corrupto e despótico. Em 1930, a primeira república e seus políticos foram chamados de carcomidos. Getúlio Vargas foi derrubado em 1954 sob acusação de ter criado um mar de lama no Catete. […] (Carvalho, 2009, p.1)

Logo, desde sempre a corrupção vagueia pelos meandros da nossa sociedade, atingindo todos os tipos de classes sociais, sobretudo as menos favorecidas.

Infelizmente existe um abismo muito grande entre a lei, ou seja, aquela que está positivada na Constituição da Republica Federativa do Brasil e a realidade das classes sociais menos favorecidas, que sobremaneira não tem acesso a cidadania e justiça na prática.

Este também é um problema que permeia a história do Brasil, conforme citado por Carvalho:

Até a metade do século XX, para quase toda a população rural, que era majoritária, a lei do Estado era algo distante e obscuro. O que essa população conhecia bem era a lei do proprietário. (Carvalho, 2009, p.2)

Na verdade, sempre foi assim, aqueles que têm maior poder de troca, a favor da maquinaria capitalista são favorecidos e tem acesso à justiça, já aqueles que não contribuem para a reprodução do capital têm pouco ou nenhum acesso à justiça e menos ainda direito de requerer participação política.

Faz se mister aqui ressaltar a importância de separar dois significados de acesso à justiça: primeiramente como acesso ao poder judiciário e em segundo como acesso à justiça como valor. Logo, conforme os ensinamentos de Mauro Cappelletti, acesso à Justiça é (1988, p.8)

[…] o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. […] deve ser igualmente acessível a todos […].

Por conseguinte, conforme visto ao longo da história do Brasil, desde os primórdios, sempre existiram aqueles que têm “verdadeiro” acesso à justiça e aqueles que não sabem sequer seus direitos, muito distantes de ter efetivo acesso à justiça.

Carvalho (2009, p.2) destaca a distorção da semântica de “agente da lei” em diferentes âmbitos da sociedade,

“Nas grandes cidades, sobretudo em suas periferias, o agente da lei próximo à população era, e ainda é, o policial militar ou civil, cujo arbítrio e violência são conhecidos”.

A luz disso pode-se concluir que nas periferias, ao contrário do que acontece nos bairros nobres, há uma inversão do papel de agente da lei, não como aquele que protege e dá segurança, e sim, como aquele que repreende e aplica a violência. Para este povo acesso ao poder judiciário é uma utopia.

No texto de Boaventura de Souza Santos, isto é bem evidenciado quando perguntado aos moradores de “Pasárgada” por qual motivo eles não chamam a polícia quando tem problemas. Este relato é observado no trecho de “Notas sobre a história jurídico social de Pasárgada” (1980, p. 111),

[…] “a polícia continua a desempenhar um papel mínimo na prevenção e na resolução de conflitos. Não obstante os seus esforços no sentido de uma aceitação mais positiva por parte da comunidade, continua a ser vista por esta como uma força hostil investida de funções estritamente repressivas”.

Para os moradores da favela do Rio de Janeiro, a polícia não está lá para protegê-los, ao contrário do que pensaria, por exemplo, um morador do Leblon. Na verdade, a polícia cumpre o papel de repreendê-los e está ali para vigiá-los, além disso, eles próprios se sentem distanciados e se vêem como marginalizados.

Logo, fica claro que a eficácia da norma jurídica alcança somente determinada classe social. Esse problema tem raízes profundas, ou seja, são frutos da herança colonial como cita José Murilo de Carvalho em Cidadania no Brasil – um longo caminho,

“A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado” (Carvalho, p.45, 2004).

Percebe-se que a negação dos direitos fundamentais, principalmente os civis, encontra seu fundamento de validade nas raízes podres da herança colonial e da escravidão, que se dissipou ao longo dos anos até legitimar a ação dos mais “poderosos” na prática da corrupção, subjugando os menos poderosos a sorte da lei que para eles não é aplicada com o ideal de justiça, qual seja dar aquilo que cada um merece.

Logo, diante da crescente diferença entre as classes abarcadas pelo modelo capitalista infiltrado na sociedade, o grande marco foi a busca desenfreada por mais e mais lucros. E por que não lucrar em cima dos mais fracos?

A sociedade brasileira sofre os abusos das classes altas que geralmente são aquelas que representam a maior parte dos membros do Congresso Nacional. Ao contrário do que vislumbrava Rousseau, “uma democracia como ideal que protege a política dos usurpadores e incentiva a participação popular”, é instalada na sociedade brasileira, a apatia política. Neste contexto segundo Rousseau (1983):

“Há uma sociedade desigual cuja igualdade vai se concretizar no Estado, local onde os elementos desiguais acordam entre si para a criação de um Estado da natureza capaz de suprimir os elementos limitativos da desigualdade reinante entre os homens”.

Originariamente, o brasileiro sempre foi considerado por muitos como politicamente apático, e neste sentido parecia não se importar com o crescimento desenfreado da corrupção. Entretanto, o que se espera diante dos últimos acontecimetos no cenário da política brasileira, é um verdadeiro despertar social no sentido de cobrarmos verdadeiramente uma democracia participativa que se dê de forma consciente e atuante.

Os laços sociais precisam ser definitivamente reestabelecidos e acabar de vez com a institucionalização do individualismo, com o interesse privado ou individual se sobrepondo ao interesse coletivo. De fato, os representantes do povo brasileiro no Congresso Nacional defendem os interesses de uma minoria, eles próprios. É claramente o oposto do que Durkheim (1893) esperaria visto que o coletivismo deveria sobrepor os interesses individuais.

Por conseguinte, é árduo o caminho que leva a efetivação do acesso à justiça e à emancipação política para a maioria da população brasileira. Entretanto somente quando esse marco for atingido, será possível pensar no fim da corrupção, pois sem a participação efetiva de toda sociedade brasileira, especialmente daqueles que não tem acesso nenhum à justiça, o sistema político corrupto continuará esmagando as velhas entranhas apáticas do povo brasileiro.

Considerações finais

Independente de nossas raízes, o problema da corrupção é um mal que pode ser combatido se houver uma mudança de atitude da população brasileira no sentido de “descapitalizar” os ideais, ou seja, nunca conseguiremos uma democracia de fato se continuarmos apáticos politicamente. A norma jurídica deve ter o alcance equivalente para todas classes sociais sem fazer distinção de cor, raça, sexo, conforme os direitos fundamentais da Carta Constitucional, proporcionando desta forma acesso à justiça com efetividade a todos.

* Colaborador: Dr. Miguel Ângelo Martin – Advogado e Administrador de Empresas.

Referências

CARVALHO, José Murilo de Carvalho. O eterno retorno? Escola de Transgressão. Revista de História. 1 mar. 2009. Disponível em:. Acesso em: 18. Mai.2011.

HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Companhia das Letras, 2. Ed.1995.

SANTOS, B. S. Notas sobre a história jurídico social de pasargada. Sociologia e direito: textos básicos de sociologia. 1. Ed. São Paulo. Pioneira:1980, p.109-117.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. Ed. Civilização brasileira.13ed. 2009.

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso. Uma crítica à afirmação do Óbvio. 2. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

Rousseau, J. J. (1983). Do contrato social. In Os pensadores (3a. Ed, p. 15- 145). São Paulo: Abril Cultural.

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