‘Território desconhecido’: mundo está mais quente e El Niño atípico tem efeitos ainda mais incertos; entenda
22 de julho de 2023

Por Roberto Peixoto, g1


 

Imagem NOAA/DivulgaçãoImagem NOAA/Divulgação

Comparação da NOAA mostra El Niño em 1997 e em 2023. Cores mais alaranjadas mostram que os oceanos estão mais quentes este ano. — Foto 1: NOAA/Divulgação — Foto 2: NOAA/Divulgação

Mapas climatológicos recentemente divulgados pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) trouxeram à tona uma revelação preocupante: o El Niño que começou em junho de 2023 está apresentando características bem distintas dos fenômenos ocorridos nos últimos anos.

Como é possível ver nas imagens acima, o episódio climático conhecido por seu aquecimento anormal das águas superficiais no leste do Oceano Pacífico Equatorial, próximo às costas do Peru, Equador e Colômbia (faixa amarelo-laranja dos mapas), está se manifestando de forma singular nesta atual temporada.

De forma simultânea ao desenvolvimento do El Niño, estamos enfrentando um forte aquecimento dos oceanos em outras regiões do mundo além da porção equatorial do Pacífico, principalmente em grandes trechos que vão do Atlântico Norte ao Mediterrâneo.

Como essa conjuntura climática é complexa e bem diferente do usual, cientistas alertam que os potenciais desdobramentos de tudo isso ainda são desconhecidos.

“Neste momento, estamos enfrentando um El Niño que ocorre em meio a um oceano global muito aquecido, e não sabemos como o nosso planeta mais quente afetará as condições atmosféricas do El Niño”, disse a NOAA, em um comunicado.

De acordo com a MetSul, o atual episódio de El Niño é tão singular que difere até mesmo dos fenômenos extremos de 1982-1983 e 1997-1998, conhecidos como “Super El Niños”. Enquanto nessas ocasiões anteriores o El Niño marcava a principal área de aquecimento anômalo dos oceanos, atualmente essa característica não prevalece mais.

Karina Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) explica que as causas desse cenário ainda estão sendo estudadas, mas até o momento acredita-se que seria uma conjunção de fatores contribuintes: mudanças na circulação atmosférica, poluição do ar e a tendência das mudanças climáticas.

“A anomalia do Atlântico Norte é absurda”, diz a pesquisadora. “Este El Niño está ocorrendo no contexto de elevado aquecimento oceânico a nível global e ainda não sabemos como isso afetará os padrões de circulação, consequentemente, se torna mais difícil prever os impactos do El Niño no clima global”.

Placa alerta para calor extremo no Vale da Morte, na Califórnia, nos Estados Unidos, no dia 15 de julho de 2023 — Foto: Jorge Garcia/Reuters

Placa alerta para calor extremo no Vale da Morte, na Califórnia, nos Estados Unidos, no dia 15 de julho de 2023 — Foto: Jorge Garcia/Reuters

‘Território desconhecido’

O El Niño é um dos fatores que pode influenciar na previsão de recordes de temperaturas nos próximos quatro anos. De acordo com a Organização Mundial Meteorológica (OMM), há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar 1,5°C entre 2023 e 2027.

Esse é o aumento máximo da taxa média de temperatura global definido para este século a fim de evitar as consequências da crise climática provocada pelo homem.

O problema é que, com a maioria dos oceanos com temperaturas acima da média, é bem difícil prever o que vai acontecer exatamente com o clima global.

“[Temos um] El Niño ocorrendo com situações globais sem precedentes”, alerta o climatologista Carlos Nobre.

Média diária das temperaturas da superfície do mar — Foto: Arte/g1

Média diária das temperaturas da superfície do mar — Foto: Arte/g1

“As mudanças climáticas globais estão trazendo muitos extremos climáticos, mas é difícil prevê-los com meses de antecedência. Por exemplo, o ano passado houve o recorde de calor em grande parte da Europa no verão. Este ano de novo o verão está muito quente por lá. Seria quase impossível prever com muita antecedência dois anos seguidos de ondas severas de calor”, acrescenta.

Nesta semana, dezenas de milhões de pessoas enfrentaram uma onda de calor extremo em vários países do Hemisfério Norte. Somado a isso, nos últimos dias, ferramentas de medição têm registrado recordes diários de calor, com temperaturas surpreendentes na superfície do mar, mesmo em regiões fora dos trópicos, persistindo há meses.

“Estamos agora em um território verdadeiramente desconhecido”, disse David Carlson, diretor do programa mundial de pesquisa climática da OMM.

Por aqui, cientistas climáticos e meteorologistas afirmam que o Brasil vai começar a sentir a influência do El Niño nos próximos meses e não estão descartados o surgimento de novos ciclones extratropicais, como o que atingiu as regiões Sul e Sudeste.

O grande mistério, porém, persiste no fato das consequências desse El Niño “diferentão”, marcado por anomalias de temperatura até no Pacífico Norte.

Comparação da NOAA mostra El Niño em 1997 e em 2023. Cores mais alaranjadas mostram que os oceanos estão mais quentes este ano. — Foto: NOAA/Divulgação

“Impossível saber agora se isso fará o El Niño ser mais longo ou mais forte ou não ser mais curto, por exemplo”, destaca Nobre.

Segundo a Noaa, uma possível consequência dessa mudança é uma resposta atmosférica mais fraca do que o esperado. “A força dessa resposta está relacionada ao padrão de temperatura da superfície do mar nos trópicos. Quando o El Niño é a força dominante, como ocorreu durante o El Niño de 1997-98, a resposta atmosférica é mais clara”, diz.

Contudo, a agência também destaca a incerteza nos próximos meses devido à atual conjuntura climática, especialmente quando o Pacífico ocidental e outras regiões tropicais também estão experimentando um aquecimento significativo.

Já de acordo com a MetSul, mesmo diante desse cenário atribulado, as consequências do El Niño devem se intensificar no Sul do Brasil somente a partir do fim do inverno, trazendo consigo respostas climáticas características, como chuvas acima da média e temperaturas elevadas, especialmente durante o final do inverno e a primavera.

O serviço de meteorologia alerta que os próximos três a quatro meses podem ser marcados por significativos excessos de chuva na região, com destaque para o estado do Rio Grande do Sul, onde enchentes e tempestades frequentes podem ocorrer, exatamente conforme se esperaria em um período de forte a muito forte intensidade do El Niño.

Enquanto isso, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) reforça que os modelos climáticos globais apontam para uma probabilidade superior a 90% de que o El Niño perdure até o final do ano. Quanto à intensidade, os modelos sugerem que o fenômeno se manterá em nível moderado, com possibilidade de atingir a categoria de intensidade forte.

Impacto do El Niño no inverno de cada região brasileira — Foto: Arte/g1

Impacto do El Niño no inverno de cada região brasileira — Foto: Arte/g1

⛈️☀️️ Relembre o que é o El Niño

O El Niño é a fase positiva do fenômeno chamado El Niño Oscilação Sul (ENOS). Quando ele está em atuação, o calor é reforçado no verão e o inverno é menos rigoroso no Brasil. Isso ocorre porque ele dificulta o avanço de frentes frias no país, fazendo com que as quedas sejam mais sutis e mais breves.

Em resumo, o fenômeno causa secas no Norte e Nordeste do país (chuvas abaixo da média), principalmente nas regiões mais equatoriais, e provoca chuvas excessivas no Sul e no Sudeste.

Fonte: G1

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