Abertura do Centenário de Johanna Döbereiner em Seropédica
21 de fevereiro de 2024

Em 2024 se comemora o centenário do nascimento de uma pioneira da ciência brasileira. Johanna Döbereiner (1924 – 2000) revolucionou as pesquisas agrícolas no país pelo seu trabalho com fixação biológica de nitrogênio, feita através de bactérias que substituem os fertilizantes nitrogenados. Essa técnica permite que a agricultura brasileira, principalmente da soja, economize cerca de 2 bilhões de dólares por ano, além de ser menos agressiva ao meio ambiente.

A história de Johanna Döbereiner é um dos maiores exemplos de sucesso da ciência brasileira e, em particular, de nossas mulheres cientistas. A abertura oficial das comemorações, que se estenderão pelo ano inteiro, ocorreu neste dia 20 de fevereiro, na Embrapa Agroecologia, em Seropédica, RJ, que foi a casa da pesquisadora durante cinco décadas. “Em cada canto desta casa seu legado é lembrado”, disse a chefe-geral do centro, Cristhiane Amâncio, anfitriã do encontro.

Quadro em homenagem à Johanna Döbereiner exposto na Embrapa Agrobiologia, pintado com cores retiradas do solo (Artista: Gabriela Guedes)

Nascida na República Tcheca em uma família de origem alemã, Johanna Döbereiner foi expulsa de sua terra natal no período posterior à Segunda Guerra, emigrando para a Alemanha. Num período de reconstrução do país ainda sob ocupação, Döbereiner conseguiu ingressar na Universidade de Munique em 1947, onde se formou engenheira agrônoma em 1950. No ano seguinte, foi contratada pelo Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola, predecessor da Embrapa Agrobiologia, dando assim início à sua relação com o Brasil.

Esta relação foi lembrada no evento pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Acadêmico, Renato Janine. “É interessante destacar seu orgulho do Brasil não porque aqui nasceu, como é o caso da maioria de nós, mas porque escolheu; em algum momento da sua vida, surgiu um amor por essa terra”.

A presidente da ABC, Helena Nader, saudou a vida e a obra de Johanna Döbereiner, e ressaltou sua história dentro da Academia. “Ela foi primeira-secretária da ABC nas gestões de Oscar Sala e Israel Vargas. Depois, em 1995, foi a primeira mulher vice-presidente. Ela deveria ter sido a primeira mulher presidente da ABC, não eu”, afirmou Nader. “Onde quer que ela esteja, eu a reverencio, por sua luta, por ter sido mãe e avó, por ter orientado tantos alunos e, acima de tudo, por jamais ter se dobrado.”

Na mesma linha, a diretora-científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), primeira mulher presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM) e membra titular da ABC, Eliete Bouskela, ressaltou que a grande barreira para as mulheres avançarem na carreira científica é a desigualdade na divisão das responsabilidade domésticas entre os sexos. “Fiquei muito feliz quando soube que Johanna foi mãe, pois mostra que para uma mulher seguir sua carreira ela não precisa abdicar de ter filhos, como muitas vezes acontece”, afirmou. “O que precisamos é de exemplos. Precisamos ganhar posições para que as próximas mulheres não tenham de ser as primeiras. Precisamos reverenciar cada vez mais mulheres como Johanna Döbereiner”, ressaltou.

Outra mulher pioneira na posição que ocupa, a atual presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, sumarizou a importância de Döbereiner. “Com sua dedicação à pesquisa agrícola, Johanna é um exemplo de como mulheres inovadoras impactam a ciência. Ela foi precursora de uma revolução: a agricultura de base biológica, e também pioneira de vários outros conceitos hoje estabelecidos, como bioeconomia e sustentabilidade. Seu legado vive em nossos corações e seguirá reverberando nas futuras gerações.”

A mesa de abertura do Centenário: Elika Takimoto (Alerj), Eliete Bouskela (Faperj), Helena Nader (ABC), Cristhiane Amâncio (Embrapa), Silvia Massruhá (Embrapa), Renato Janine (SBPC) e Osvaldo Moraes (MCTI)

À mestra, com carinho

Johanna Döbereiner é eternizada hoje pelas gerações de cientistas que ela ajudou a formar. Mas, para além de sua obra, também é importante que as homenagens abordem aspectos mais pessoais,  reconhecendo a grande mulher que ela foi, identificando suas características humanas como parte integrante de seu legado.

Nesse sentido, foram convidados a darem seus depoimentos pessoas que conviveram com a professora Johanna. Entre elas, os Acadêmicos Avílio Franco, colaborador de longa data de Döbereiner, e Mariangela Hungria, que foi sua orientanda. Além deles, os cientistas Ivo Baldani Everaldo ZontaSolon Araújo, o jornalista Sergio Brandão e o filho de Johanna, Christian Döbereiner, compuseram a segunda mesa do evento.

Com uma fala emocionada, a Acadêmica Mariangela Hungria, diretora da ABC

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Mariangela Hungria, ex-aluna de Döbereiner

recordou sua orientadora, a quem atribui sua continuidade na carreira científica. Ela conta que pensou em parar após ser mãe pela primeira vez, mas que graças à confiança de sua mestra pôde seguir na Embrapa.

“Eu admirava particularmente seu sentido de justiça. Nunca vi a doutora Johanna duvidar da capacidade de uma mulher por ela ser mãe. Isso a meio século atrás, enquanto, ainda hoje, vemos pareceres descabidos discriminando a produção científica de mulheres por conta da maternidade”, afirmou Hungria, em referência aos recentes casos de pareceres do CNPq que justificavam corte de bolsas à queda na produtividade por conta da maternidade.

“Johanna foi muito à frente de seu tempo, e até mesmo do nosso tempo. Ela mudou a minha vida e a de muitos de seus filhos e netos científicos pelo Brasil e no exterior. A combinação de sua genialidade e generosidade é o motivo de estarmos aqui hoje, seus discípulos, com saudades, mas firmes, tentando seguir seus ensinamentos”, finalizou Hungria.


As ações do centenário estão sendo idealizadas por um comitê composto pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

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