Os desafios de colocar a violência do RJ nos trilhos
17 de agosto de 2017

“A violência no Rio em debate”, seminário da FenSeg, elenca propostas para reduzir índices de criminalidade no estado.

Inicialmente, olhando dados e relatos apresentados no seminário “A violência no Rio em debate”, promovido pela Fenseg e pela CNseg na terça-feira (8), o tom é de desalento e de desamparo no combate a este grave problema enfrentado pelo estado fluminense. Números fora de controle de roubo de cargas ou de automóveis, avanço dos latrocínios (roubos seguidos de mortes) durante a abordagem de bandidos e quadrilhas com armamento de guerra nos ataques e em seus bunkers são algumas das indicações importantes de que a sociedade organizada continuará a pagar a conta do recrudescimento da violência e se tornará cada vez mais refém do crime organizado.

Não há final feliz a curto prazo, e, pior, sem ações estruturais e articuladas da União, estados, municípios e iniciativa privada, o quadro de violência extrema do Rio de Janeiro poderá se reproduzir em outros estados no prazo máximo de cinco anos, tendo em vista o avanço das facções criminosas brasileiras em direção ao Paraguai e à Argentina para montagem de futuras bases de multinacionais verde e amarela do crime organizado, tendo o Brasil como o principal mercado de drogas e de armas.

Os prognósticos sombrios motivaram uma reflexão conjunta de lideranças, executivos e consultores do mercado segurador, representante da Polícia Rodoviária Federal e uma socióloga presentes no seminário “A violência no Rio em debate”. Na abertura, o presidente da FenSeg, João Francisco da Costa, reconheceu a gravidade da violência no estado fluminense, a ponto de o problema já ter repercussão até no exterior, e reclamou soluções efetivas. Nesse sentido, destacou a importância da troca de experiência sobre as melhores práticas adotadas por seguradoras de automóveis e cargas, o intercâmbio de informações sobre a inteligência do crime organizado e a criação de uma lista de recomendações para segurados e demais públicos a fim de mitigar os riscos. “O Rio sempre foi uma praça diferente das demais praças brasileiras e as taxas de seguros sempre repercutiram esta realidade de violência, mas o quadro de grande volatilidade dos prêmios é algo recente e tem a ver com o recrudescimento dos roubos no estado”, lembrou ele.

Presidente da FenSeg destaca momento crítico da violência no estado do Rio

A seu ver, partilhar as melhores práticas de mercado é um caminho para manter a oferta de produtos nas carteiras com forte aumento da sinistralidade, porque permite às companhias se adaptarem ao atual ambiente de negócios, evitando gargalos e espaços a outras atividades que concorrem ilegalmente com o mercado segurador formal, como as vendas realizadas pelas associações automotivas, o chamado seguro pirata.

Para ele, entender a lógica da inteligência do crime organizado é também relevante, porque, além de permitir a prisão dos criminosos, mira afetar a economia e capitais movimentados pelas quadrilhas organizadas, além de dar uma ideia mais clara à sociedade dos prejuízos gerados a todos por estes delitos.

Também ao participar da solenidade de abertura do seminário, o presidente da CNseg, Marcio Coriolano, avaliou positivamente a iniciativa de colocar em debate o avanço da violência no Rio de Janeiro. “É um problema gravíssimo, mas que, na verdade, não se restringe apenas ao Rio de Janeiro. Esta situação de intranquilidade em vários estados afeta muito o mercado segurador, porque sua função é proteger pessoas de toda sorte de más práticas de cidadania. Então, a expectativa é de que as novas medidas adotadas no Rio de Janeiro no combate à violência possam servir de subsídios para outros estados. O mercado de seguros, antes dos negócios, tem a missão nobre de proteger pessoas. Logo, temos de ajudar na busca de respostas a estes desafios que têm relação direta com o aprofundamento da crise econômica e com o desaparelhamento dos estados”, assinalou ele.

Em dois painéis- “O aumento do roubo de veículos e os reflexos sobre o seguro auto”; e “O roubo de cargas e suas consequências para apopulação carioca”, seis especialistas dissecaram os múltiplos impactos dos saltos da violência.

No primeiro painel- moderado por Eduardo Dal Ri, presidente da Comissão de Automóveis da FenSeg, e tendo como palestrantes Adhemar Fujii, consultor da FenSeg, e Hanrley Matos Martins, coordenador de Inteligência da Polícia Rodoviária Federal- foi dada uma dimensão assustadora: mais de 500 mil veículos são subtraídos dos proprietários todos os anos, consequência direta da manutenção de elevados índices de roubo em todos os estados brasileiros, disse Fujii. Para se ter uma ideia da elevada incidência de roubo e furto de carros, este montante anual poderia preencher totalmente as duas vias da rodovia Via Dutra, se esta via fosse transformada num grande estacionamento.

Algo assustador e ainda mais grave porque, como o arsenal tecnológico disponíveis nos carros novos dificulta os furtos, os índices de roubo lideram as ocorrências policiais e ampliam os riscos de latrocínios nessas abordagens criminosas, já que as vítimas são colocadas sob a mira de armas de todos os calibres, inclusive fuzis.

Minas Gerais, por exemplo, experimentou um aumento de 10% no índice de roubo e furto de automóveis no comparativo entre os anos de 2016 e 2015. Entretanto, houve um salto na taxa de latrocínios, de 62,4%. No Paraná, o número de roubo e furto de carros avançou 23,9%, e o de latrocínios, 10,6%, também na passagem de 2015 para 2016, lembrou o consultor.

Segundo ele, alguns fatores são responsáveis pela aceleração dos roubos, com destaque para os desmanches ilegais, encarregados de revender autopeças, incluindo itens de segurança; e veículos dublês, com forte crescimento em todo o País. Os carros dublês apresentam, externamente, as mesmas características do veículo original, como a marca, o modelo e a espécie. Em alguns casos, é usado o cadastro do veículo original para que sejam copiados os mesmos caracteres da placa e adulterados os caracteres de identificação do chassi e/ou os caracteres de identificação do motor. Geralmente, o veículo dublê é oriundo de roubo ou furto, e é utilizado o artifício citado de cópia para “tentar manter o veículo com características de legalizado”, e não simplesmente para transferir as multas para outro veículo. A documentação do veículo também é copiada (falsificada) do original, e a cédula utilizada do Certificado de Registro de Veículo (CRV) e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) é fruto de roubo ou furto, segundo o Detran.

Outra fraude ocorre na fase de pré-cadastro de veículos destinado à exportação, ao Exército e mineradoras. Tais veículos, inicialmente, não podem ser licenciados no País, mas, via adulterações, os dados dos sinais identificadores de tais veículos são incorporados por um modelo similar que, após a inclusão no sistema oficial, via cadastro dos órgãos de trânsito, é negociado por valor de mercado no País. O pior que estes veículos, com valores de mercado acima de R$ 150 mil, têm passado pelas vistorias prévias. Para controlar este crime, o Detran SP lançou mão de uma restrição administrativa para impedir a venda desses veículos. Mas os demais estados não se mexeram.

À lista de problemas, acrescentem-se as fraudes realizadas por segurados e, em menor escala, a ida de veículos roubados para países do Mercosul.

Saídas? São Paulo tem ações inspiradoras para os demais estados, segundo o consultor. A regulamentação por todos os estados da Lei do Desmonte, adotada em São Paulo antes mesmo da lei federal que trata do tema, pode ser uma das medidas para mitigar a sinistralidade. No Estado, em vigência desde o segundo semestre de 2014, esta regulametação provocou, na avaliação de Fujii, queda nos índices de roubo- de 20%, entre 2014 e 2015-, contribuindo para a baixa também dos latrocínios- 8,3% no período. No Rio Grande do Sul, outro que regulamentou a lei em 2016, já houve reflexos nos índices de roubo e furto de automóveis, de 4% sobre 2015; e de 1,1% nos latrocínios. Lá o projeto “Cerca Eletrônica”, criado em abril de 2017, utiliza câmeras OCR de trânsito e imagens (Prefeitura e iniciativa privada, integrando-as aos sistemas de monitoramento da Secretaria de Segurança Pública), tem ajudado a baixar a sinistralidade decorrente de roubo de carros e cargas.

No plano federal, há boas ações idealizadas pela Polícia Rodoviária Federal, responsável pela vigilância das rodovias federais, mas afetadas pelo contingenciamento de recursos públicos. O contingenciamento provoca déficit no efetivo e retarda a implantação de projetos relevantes para o combate ao crime, como a ampliação do Sistema de Monitoramento das Rodovias, que identifica veículos envolvidos em ilícitos ou irregularidades administrativas, entre outras tarefas.

No painel específico de cargas- moderado por Alexandre Leal Rodrigues, presidente da Comissão de Transportes da CNseg, e com palestras de Valdo Alves da Silva, membro da Comissão de Transportes, e da socióloga Silvia Ramos- ficou evidente que as soluções para reduzir a sinistralidade são mais complexas em virtude do perfil da região metropolitana do Rio de Janeiro, o que torna a movimentação mais vulnerável aos ataques.

A região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro reúne o segundo maior mercado consumidor do País- são mais de 16,7 milhões de pessoas residentes nos municípios fluminenses, que representam 10% do PIB brasileiro. Suas estradas, usadas obrigatoriamente para translado de cargas destinadas ou embarcadas dos estados do Sul e do Sudeste, apresentam os maiores índices de circulação de veículos de carga e, em consequência, atraem as quadrilhas. As estradas fluminenses atravessam regiões densamente povoadas e perigosas, além de boa parte de seu traçado ser cortado por regiões serranas, o que facilita a abordagem das quadrilhas especializadas.

Segundo Valdo da Silva, o aumento de roubo de cargas provoca prejuízos difusos para toda a sociedade. Para as seguradoras, eleva os desembolsos para pagar indenizações por desaparecimento de cargas e mexe no índice de sinistralidade de forma inesperada. Também provoca perda de negócios para as empresas e aumento dos custos operacionais dos embarcadores e transportadores- favorecendo a falência de grupos. Preços dos seguros de transportes mais caros, aumento dos custos das mercadorias para o consumidor final e até risco de desabastecimento são algumas das consequências mais danosas decorrentes dos roubos.

A presença de armas de guerra nas favelas do Rio- apenas o diminuto morro dos Prazeres, em Santa Teresa, conta com mais de 30 fuzis- é outro componente importante nessa equação de exposição ao risco, porque é um indicativo de maior ou menor predisposição à violência, avalia a socióloga Silvia Ramos. Para ela, um olhar mais atento às taxas de homicídios no estado pode servir de termômetro para aferir o potencial de outros delitos, como o roubo e furto. Desde 2012, após chegar a seu nível mais baixo em 30 anos, a taxa de homicídios no estado do Rio de Janeiro voltou a subir ano a ano, sendo acompanhado da piora de outros indicadores de violência.