Covid-19: Brasil deve enfrentar pior fase da pandemia nas próximas semanas
24 de janeiro de 2021
Nos últimos dias, a pandemia no Brasil foi marcada por imagens de dor e de esperança. De um lado, a falta de oxigênio em Manaus mostrou a tragédia causada pela falta de coordenação contra a covid-19. Do outro, a aprovação das primeiras vacinas deu o primeiro sinal, ainda bem distante, de que essa crise sanitária vai ter um fim.
 
Em meio a tantas notícias, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil alertam que a situação da pandemia no país deve se agravar entre o final de janeiro e o início de fevereiro.
 
“Estamos num momento bem preocupante. Talvez as pessoas não estejam percebendo ainda, mas tudo indica que as próximas semanas serão complicadas”, antevê o bioinformata Marcel Ribeiro-Dantas, pesquisador do Institut Curie, na França.
 
De acordo com o levantamento feito pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde), o país contabiliza até o momento 8,5 milhões de casos e 210 mil mortes por covid-19. Nos últimos dias, a confirmação de novas infecções e óbitos pela doença tem se mantido num patamar considerado alto.
 
A tendência, de acordo com epidemiologistas, bioinformatas e cientistas de dados ouvidos pela reportagem, é que esses números se mantenham elevados ou subam ainda mais daqui para a frente.
 
Mas qual a razão para isso? Há pelo menos quatro fatores que ajudam a explicar esse momento da pandemia no Brasil.
 
Efeito Natal e Réveillon
 
Não foram poucos os relatos de aglomerações nos últimos dias de dezembro. A despeito das orientações das autoridades em saúde pública, muitos familiares e amigos resolveram se reunir para celebrar o Natal e a passagem para 2021.
 
Os efeitos das festas começam a ser sentidos agora. E isso pode ser explicado pela própria dinâmica da covid-19 e o tempo que a doença demora a se manifestar e se desenvolver.
 
“A transmissão do vírus pode até ter ocorrido durante essas festas, mas a necessidade de ficar num hospital ou até a morte do paciente leva semanas para acontecer”, nota o estatístico Leonardo Bastos, pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
 
Em linhas gerais, o indivíduo que é contaminado pelo coronavírus pode demorar até 14 dias para ter algum sintoma (como febre, tosse seca, dores, cansaço e falta de paladar ou olfato).
 
O problema é que, nesse ínterim, ele pode transmitir o agente infeccioso para outras pessoas, criando novas cadeias de transmissão na comunidade.
 
Já nos quadros mais graves da doença, que evoluem para falta de ar e acometimento dos pulmões, há uma janela de cerca de sete dias entre o contato com o vírus e a necessidade de internação.
 
Depois da hospitalização, os pacientes que morrem por covid-19 podem ficar até cinco semanas num leito antes de falecer.
 
Considerando esse tempo todo de evolução da doença e o atraso nas notificações, é de se esperar que as infecções pelo coronavírus que aconteceram entre os dias 24 de dezembro e 1º de janeiro apareçam com mais frequência nos boletins epidemiológicos daqui pra frente.
 
Essa bola de neve do final de ano pode ser emendada com outra, provocada pelas aglomerações relacionadas ao Enem.
 
É preciso considerar que, no último domingo (17/12), mais de 2,5 milhões de brasileiros se deslocaram até o local da prova e permaneceram por várias horas em locais fechados com desconhecidos ao redor.
 
Os epidemiologistas e cientistas de dados poderão medir o efeito dessa movimentação de tanta gente nas cidades brasileiras a partir de fevereiro ou março.
 
Onda de mutações e variantes
 
Nas últimas semanas, cientistas detectaram variantes do coronavírus que causaram grande preocupação.
 
Três dessas novas versões ganharam destaque. Elas foram encontradas no Reino Unido, na África do Sul e no Brasil (mais precisamente em Manaus).
 
O que chamou atenção é que esse trio traz mutações nos genes relacionados à espícula, uma estrutura que fica na superfície viral e permite que ele invada as células do nosso corpo para dar início à infecção.
 
Tudo indica que essas mudanças genéticas deixaram o vírus ainda mais infeccioso e podem facilitar a sua transmissão. Isso ajudaria a explicar, por exemplo, o aumento de casos que ocorreu em algumas cidades britânicas ou em Manaus.
 
Por mais que essas variantes não tenham sido relacionadas a quadros mais graves de covid-19, elas podem ter um efeito indireto na mortalidade — afinal, se mais gente pegar a doença, o número de internações e mortes subirá.
 
“Os vírus sofrem modificações a todo o momento e, quanto mais ele circular entre as pessoas, maior será a chance de ele ter mutações e se tornar mais ou menos agressivo”, pondera o médico Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).
 
Demora na atualização dos dados
 
No mês de dezembro, é comum que muitos funcionários tirem férias. Setores e departamentos de empresas privadas ou órgãos públicos entram em recesso por alguns dias. Alguns setores chegam a trabalhar com equipes reduzidas.
 
Isso, claro, aconteceu com trabalhadores da área de saúde e de vigilância epidemiológica dos estados e dos municípios brasileiros.
 
“Uma coisa que notamos desde o final de 2020 é um atraso muito grande na digitação dos dados de pacientes com covid-19 confirmada. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 68% dos casos de infecção pelo coronavírus que apareceram nos sistemas do governo em janeiro ocorreram nos meses anteriores”, observa o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19.
 
Os laboratórios que fazem testes dos casos suspeitos da doença também estão demorando muito mais para soltar o resultado, segundo os relatórios do Gerenciador de Ambiente Laboratorial, plataforma mantida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
 
No mês de novembro, 91% das amostras dos pacientes com suspeita de covid-19 eram processadas e avaliadas num período de até dois dias e 8% demoravam entre três e cinco dias.
 
Já em dezembro, 73% dos exames tiveram seu lado liberado em menos de 48 horas. Cerca de 18% das análises levavam entre três e cinco dias e 9% tiveram que aguardar até dez dias para ter um diagnóstico confirmado ou descartado.
 
É claro que atrasos já aconteciam antes, mas eles estão mais graves e preocupantes nas últimas semanas, afirmam os especialistas.
 
Novas gestões e acúmulo de trabalho
 
Outro fator que parece ter atrapalhado ainda mais a coleta das estatísticas foi a transição de governo em muitas cidades brasileiras. Várias prefeituras tiveram uma troca de comando a partir de janeiro.
 
“Há casos em que o novo prefeito modificou o secretário de saúde e reformulou a equipe que acompanha essas questões. Há um tempo até que esses novos gestores se acostumem ao ritmo e às necessidades da pandemia”, afirma Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19.
 
Por fim, os profissionais de saúde estão sofrendo com o acúmulo de funções. Em muitos lugares, são os próprios médicos e enfermeiros que precisam alimentar o sistema de informática com os novos casos confirmados de covid-19 no hospital.
 
“E isso envolve até uma questão ética. Entre digitar uma ficha no computador e tratar um paciente que demanda cuidados, a segunda opção é sempre mais urgente. Necessitamos de mais investimento em vigilância e profissionais que façam esse trabalho de atualização”, aponta Bastos, da Fiocruz.
 
“Tenho visto cada vez mais médicos postando nas redes sociais fotos da montoeira de fichas de papel que aguardam digitação no sistema. É uma pilha que parece nunca diminuir”, completa Schrarstzhaupt.
 
Realidade paralela
 
O descompasso entre o que mostram as curvas epidêmicas desatualizadas e o verdadeiro cenário da pandemia pode fazer muito estragos.
 
Para início de conversa, essa subnotificação de casos e mortes por covid-19 traz uma falsa sensação de segurança, como se o pior já tivesse passado.
 
“E isso ajuda a vender uma retórica que agrada algumas pessoas. Quantas vezes já ouvimos gente anunciar que a pandemia estava chegando ao fim? Que teríamos uma queda dos casos e mortes a partir da próxima semana?”, questiona Ribeiro-Dantas, do Institut Curie.
 
A principal lição é sempre tomar cuidado com as estatísticas mais recentes. “É preciso ter mais transparência e evidenciar que os dados dos últimos 15 dias não são absolutamente confiáveis e sofrerão atualizações. Se os números estiverem caindo, devemos ter um pouco de calma antes de anunciar que a situação está tranquila”, ensina o bioinformata.
 
A parte que nos cabe
 
Bittencourt, do Hospital Universitário da USP, diz que o aparecimento das variantes do vírus era algo esperado durante a pandemia. “O comportamento do vírus é altamente previsível. Mas a mesma coisa não pode ser dita sobre o comportamento das pessoas”, diz.
 
O especialista se refere ao papel de cada cidadão no enfrentamento da pandemia. Afinal, apesar do cansaço acumulado dos quase 12 meses pandêmicos, as medidas preventivas continuam essenciais.
 
Todos precisamos seguir com os cuidados básicos, como a limpeza das mãos, o uso de máscaras e o distanciamento físico das pessoas que não fazem parte de nosso convívio diário. Outro ponto pouco lembrado na lista das recomendações básicas é a preferência por locais abertos e com boa circulação de ar.
 
Se, por um lado, há uma série de responsabilidades individuais muito importantes, por outro não podemos nos esquecer também das políticas de saúde pública, que sempre carecem de reforço das autoridades municipais, estaduais e federais.
 
Nesse sentido, o recrudescimento da pandemia vai exigir ações mais contundentes para diminuir a circulação das pessoas.
 
“Não há a menor dúvida de que temos que aumentar medidas de controle. Isso depende da dinâmica de cada lugar, mas no geral o maior impacto ocorre quando as intervenções são feitas em lugares fechados, onde as pessoas ficam mais próximas umas das outras ou não usam máscaras. Esses locais não deveriam estar abertos agora”, esclarece Bittencourt.
 
A chegada das primeiras vacinas sinaliza um caminho promissor para o fim da pandemia. Mas ainda há muito chão a ser percorrido antes que a covid-19 se torne um tormento do passado.
 
Danny Altmann, professor de imunologia na Universidade Imperial College, em Londres, diz que não aconselharia ninguém a se considerar seguro 14 dias após a primeira dose da vacina contra o coronavírus. “Me comportaria exatamente como se ainda não tivesse tomado a vacina”, diz Altmann. “Não baixaria minha guarda ou faria algo diferente.”
 
Deborah Dunn-Walters, professora de imunologia da Universidade de Surrey, na Inglaterra, concorda, inclusive para quem tomou duas doses. “Uma razão é que você não estará totalmente protegido. E outra é que ainda não há evidências de que ter tomado a vacina vai impedir que você pegue o vírus e passe adiante”.
 
Dunn-Walters faz questão de salientar que a imunidade leva tempo para se desenvolver. Então, independentemente de uma única dose de qualquer uma das vacinas covid-19 poder fornecer proteção, não estaremos totalmente imunes nas primeiras semanas.
 
Com informações do site: BBC Brasil, André Biernath
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