A Páscoa e o Coração duro do homem
14 de abril de 2017

É tão importante passar um dia numa penitenciária quanto passar um dia numa conferência teológica. É algo que mexe com nossa espiritualidade e nos faz refletir profundamente sobre questões centrais da fé cristã, como a extensão do pecado, a possibilidade de arrependimento, a viabilidade da metanoia bíblica, o significado de amor pelos inimigos, perdão, graça.

Lá discussões sobre questões como calvinismo x  arminianismo, pedobatismo x credobatismo, cessacionismo x continuísmo e outros temas periféricos da fé simplesmente ficam dos portões para fora. No universo prisional, gastar tempo com debates sobre temas como “o cerne do pensamento de Armínio”, “a epistemologia do ser” e “o que é um reformado” é tão relevante quanto querer ensinar as funções do bóson de Higgs ou discutir sobre as propriedades do top quark. Você não sabe o que é isso? Nem eu.

O choque de realidade é enorme, pois um presídio parece um universo paralelo.  Quem está preso ali há alguns anos nunca segurou um smartphone, não faz ideia do que é whatsapp e não consegue entender que graça tem esse tal de Facebook. Na falta  de atividades artísticas ou outras iniciativas de enriquecimento epistêmico ou intelectual,  às pessoas ocupam o tempo com ações que deixaram há bastante tempo de fazer parte da rotina de muitos que estão do lado de fora: ler e refletir.

Ir a um presídio e conversar com os internos nos faz ver no “bandido” uma identidade. De repente, você está sentado ao lado de um daqueles caras que só vê no telejornal ou escondendo o rosto, algemado, no Cidade Alerta e descobre que ele tem nome, sonhos, pensamentos, arrependimentos, sentimentos e ideias. Descobre que todos são gente. Gente que cometeu atos atrozes, mas que ainda carrega em si a semente da imagem e semelhança de Deus.

E é aí que quero chegar. Jesus morreu pelos pecados da humanidade, para que a humanidade arrependida cresse no sacrifício vivo e nesta linda prova de amor para que haja uma reconeccao do homem para com Deus. Deus ama o relacionamento com o homem, e como o pecado afasta – nos Dele, foi então necessário este sacrifício. O Verbo veio e se fez carne. Morreu. Pagou o preço. Mas ressuscitou. Esta vivo! E hoje nós comemoramos esta ressurreição!

Mas e daí? Bom, Cristo morreu exatamente por toda a humanidade. Incluindo a estes que desprezamos que estão presos. Isolados. Pagando pelos seus erros. Sim. Cristo Jesus morreu também pelos pecados mais atrozes de todos estes homens e mulheres que para nós são bandidos, e que para nós não merecem segunda chance. Mas o bom de tudo isto é que Cristo dá está chance negada por nossa incapacidade de perdoar e de amar os inimigos e aqueles que nos maltratam. O sacrifício de Jesus atinge a vida de todos estes. Não somos superiores. Não somos melhores. Cada um de nós tem mazelas a serem temidas e lavadas diariamente. Cada um de  nós carece da misericórdia divina.

O sacrifício eficaz de Cristo só me faz perceber que, a expressao “bandido bom é bandido morto” é  uma das maiores aberrações que a humanidade já criou. Esse pensamento é algo absolutamente alienígena ao que o evangelho propõe e é o cúmulo do absurdo um cristão pensar tal coisa, pois acreditar nisso é desconsiderar a possibilidade de uma pessoa desencaminhada arrepender-se, mudar de vida e construir uma nova história, após ter pago junto à justiça pelo crime que cometeu.

Diante de crimes horríveis e hediondos, minha carne pede apenas punição e justiça, mas não posso negar o poder do evangelho de tornar o violento alguém que se opõe à violência. Por isso, hoje, meu espírito pede mais que justiça: pede justificação. Eles podem ser salvos pela graça de Deus.  E nós como cristãos, como seres humanos que dizemos ser cheios de amor, não podemos desejar a morte. Mas uma transformação de vida, para glória do Evangelho.

E, a partir de hoje, nesta Páscoa,  esta será minha oração: que cada presídio se torne não um depósito de gente ou um purgatório cuja única função seja a sádica punição de bestas-feras humanas, mas um verdadeiro local de transformação. Se o Estado não é capaz de criar meios eficientes de regeneração ética e social da massa carcerária, tenho inabalável certeza de que o Espírito de Deus é extremamente eficaz em regenerar espiritualmente os degenerados, fazendo muitos deles nascerem de novo.

Jesus não disse ao ladrão, ao lado dele, quando estava morrendo, que bandido bom era pra estar como ele naquelas condições. Não. Jesus disse que naquele mesmo dia haveria restauração eterna e comunhão divina. Sendo assim,  que Deus nos abençoe e que  transforme cada coração duro em coração cheio  de amor.

Um abraço do Joao Marques.