Cinema e Meio Ambiente – O filme e sua relação com as questões ambientais
5 de setembro de 2017

Uma reflexão sobre o papel do cinema na questão do meio ambiente: filmes e a sua relação com a natureza é o foco deste especialLixo Extraordinário

O cinema é a arte da imagem em movimento. A força de sua mensagem está vinculada diretamente a maneira com que os fotogramas são apresentados, a decupagem. Trata-se de uma reprodução simbólica da realidade, onde mesmo os fatos registrados com a intenção de serem documentais trazem em essência apenas uma das possibilidades de se ver o que está em foco. Os realizadores, por mais que anseiem ater-se ao registro puro e simples de uma situação têm obrigatoriamente que estabelecer parâmetros de espaço, tempo, corte e recorte da circunstância, onde se insere naturalmente uma maneira particular de ver aquele fato. Seja um documentário ou uma reportagem, uma colagem de imagens ou um projeto experimental. O olhar de quem está por trás das câmeras e sobretudo a sua presença, altera automaticamente a condição do entorno filmado.

O meio ambiente é o ambiente inteiro. O lugar onde estamos vivendo, construindo a nossa sociedade, dependendo para sobreviver. Nos últimos anos tem sido tema recorrente pela urgência de alguns aspectos relacionados diretamente a ameaça à vida no planeta. Tornou-se assunto mundial, popularizando-se e ganhando fóruns em diversas camadas da nossa sociedade. Está na plataforma dos políticos, nos laboratórios dos cientistas, nos livros dos intelectuais, nas salas de aula e como não poderia deixar de ser, nas telas de cinema.

Dito isso nos propomos neste breve ensaio fazer algumas reflexões sobre algumas obras cinematográficas e sua relação com o meio ambiente. Reconhecendo que apresentaremos uma forma particular de olhar o tema, assim como o cineasta em relação a sua obra, como frisamos anteriormente. Trata-se de um assunto com amplas possibilidades de incursão pois a produção cinematográfica é vastíssima, e certamente com múltiplas maneiras de se enxergar e interpretar o mesmo objeto fílmico.

A filmografia que contempla a temática do meio ambiente não está inserida unicamente em um gênero específico mas tem certamente um apelo mais forte no gênero conhecido como cinema catástrofe . Ação, comédia, drama, documentários indistintamente podem apresentar o tema mas obviamente com as peculiaridades de suas propostas cinematográficas. E com as cores ideológicas de seus realizadores.

O meio ambiente e o cinema estão intrinsecamente relacionados. Poderíamos mesmo dizer que praticamente existe uma relação de simbiose entre os dois, tal a interdependência existente. Uma conexão orgânica os une. Evidentemente não estamos nos referindo ao conteúdo, mas a forma. Quando a câmera focaliza está registrando um meio ambiente, mesmo de forma indireta, pois ao fazer um plano de close o diretor está automaticamente nos fazendo inferir que há uma totalidade e aquele é apenas um dos recortes possíveis. O outro lado da questão é exatamente oposta a esta, em se tratando de conteúdo temos ainda uma grande distância entre o que é mostrado nas telas de cinema e o que é percebido na sociedade. Cinema e meio ambiente com isso estão juntos e separados de acordo com a lente com que sejam enxergados, ou seja, adquirirão aspectos diferenciados e ganharão novas tonalidades conforme a maneira que sejam observados.

O Dia Depois de Amanhã

O Dia Depois de Amanhã

I
O meio ambiente está invariavelmente presente nas telas desde os primórdios do cinema. As primeiras imagens registradas pelos chamados criadores da sétima arte, os irmãos Lumiere, mostram cenas do cotidiano, ainda sem uma história ou roteiro elaborado. Curioso observar que as primeiras pessoas a assistirem aquelas sessões pioneiras referem-se ao que assistem como o registro da natureza viva. E com compreensível deslumbramento encantavam-se ao ver as coisas do seu dia a dia ali projetadas de forma tão real. Lá estavam as pessoas andando, saindo das fábricas, um trem chegando na estação, o céu , o jardim, a vida pulsando com a mesma intensidade do real. Com o passar do tempo e o início da construção de uma linguagem cinematográfica êis que surgem os enredos, roteiros e histórias com princípio, meio e fim. O cinema torna-se uma indústria e Hollywood começa a tornar-se referência. Na primeira metade do século vinte destacam-se realizadores como John Ford que ficou célebre com filmes como o faroeste “No Tempo das Diligências” (1939) em que o cenário natural tem grande relevância. O gênero western avança e se consolida como aquele em que se une a exuberância dos elementos naturais e inóspitos com o desbravamento das regiões e seus consequentes conflitos como muito bem se vê em um dos clássicos do gênero o filme “Era Uma vez no Oeste” (1968) de Sergio Leone. Assim o meio ambiente de coadjuvante vai aos poucos se tornando elemento central onde a partir de seu desequilíbrio geram-se os dramas assistidos como pode-se ver nos filmes conhecidos como de gênero catástrofe.

Uma Verdade Inconveniente

Uma Verdade Inconveniente

II
Um dos gêneros cinematográficos mais populares é o chamado cinema catástrofe. Nele são geralmente misturados os seguintes fatores: ação, uma tragédia com potencial planetário, efeitos especiais e melodrama. A crítica especializada não costuma ver com bons olhos esses tipos de filmes devido ao exagero com que são formatados. Seja na maneira superficial com que lidam com o fator desencadeador do evento principal do filme (um terremoto, uma avalanche, aspectos climáticos) ou na própria apresentação e desenvolvimento dos protagonistas. Alguns filmes clássicos nesse gênero e que tem haver diretamente com a questão do meio ambiente: Terremoto (1974), Avalanche (1978), O Dia Depois de Amanhã (2004). Nestes filmes, como representantes fiéis do gênero, não há uma preocupação em estabelecer uma conexão com a realidade das situações colocadas como epicentro no filme. O roteiro não tem a intenção de criar um elo maior com as informações científicas. O que vale são os efeitos visuais e o nível de tensão que se possa estabelecer entre os personagens e a situação limite até o desfecho desenhado desde o início. Tomando-se como exemplo específico o filme “O Dia Depois de Amanhã” (2004) de Roland Emmerich tem-se o tema muito debatido no mundo real das mudanças climáticas e do aquecimento global, que apesar de ser o eixo do roteiro, tem um tratamento quase que absolutamente ficcional, sem maior densidade científica, servindo apenas como motivação para as cenas de ação do filme com seus muito bem elaborados efeitos digitais que parecem apenas visar um impacto visual em quem assiste, sem maiores preocupações ecológicas. Exatamente o contrário da proposta de filmes como “Uma Verdade Inconveniente” (2006) um documentário de Davis Guggenheim com apresentação do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore onde temática semelhante tem a pretensão de alertar a sociedade em geral com dados e informações científicas.

Árido Movie

Árido Movie

III
O documentário tem como proposta fundamental o registro do real. Ou pelo menos a tentativa consciente de assim fazê-lo. Cabe a quem assiste discernir onde verdadeiramente reside a proposta do realizador, de que lado está, qual a sua intenção.  Geralmente a abordagem utilizada pelos realizadores busca retratar os fatos com o máximo possível de isenção, relativizando questões apresentadas, ouvindo todas as partes envolvidas na questão. Há aqueles também que utilizam o registro cinematográfico como peça de uma engrenagem que trabalha a favor de uma determinada política, visão de mundo, viés ideológico. Dentro da temática do meio ambiente pode-se ver estas diferentes maneiras de ver a questão, apresentadas de acordo com a intenção de quem a produziu. Alguns filmes são verdadeiras peças publicitárias, funcionam mais como divulgadores de uma ideia, são suportes sofisticados de uma mensagem. Outros buscam registrar de forma jornalística um evento relacionado a algum tipo de ameaça aos seres vivos, ao meio ambiente, ao planeta. Também há aqueles que fazem um recorte particular visando estabelecer uma conexão com o todo. E obviamente existem filmes que não se encaixam facilmente em classificações e que geralmente são catalogados como experimentais. Neste grupo pode-se citar como representante clássico do gênero o filme “Koyaanisqatsi – Uma Vida Fora de Equilíbrio” (1982) de Godfrey Reggio. A película apresenta uma sucessão de imagens sem narração e regidas por música minimalista tendo como ideia motriz a perda do equilíbrio ancestral na cultura e na natureza humana devido as inovações tecnológicas que estão desvinculadas da essência do homem e que caminham guiadas pela arrogância e insensatez. O filme quando lançado tornou-se sucesso de público e crítica tornando-se referência no gênero.

IV
No Brasil temos uma razoável filmografia vinculada ao tema meio ambiente. Desde filmes com apelos ecológicos mais diretos como “Taina – Uma Aventura na Amazônia” (2001) de Sérgio Bloch e Tania Lamarca até documentários engajados como “Lixo Extraordinário” (2010) de Karen Harley, João Jardim e Lucy Walker que apesar de ter produção e parte da direção norte americana tem sua história estruturada em torno do artista plástico brasileiro Vik Muniz e de catadores de lixo do Rio de Janeiro. O filme ganhou grande destaque internacional concorrendo inclusive ao Oscar de melhor Documentário de 2010. Vale a pena destacar também o curta-metragem “Ilha das Flores” (1989) de Jorge Furtado que estabelece uma reflexão sobre consumismo e humanismo e que se destaca pela forma crítica e ácida com que mostra como a economia gera relações de desigualdade entre os seres humanos. O vídeo de cerca de doze minutos também adquiriu renome internacional participando inclusive de listas de melhor curta-metragem do século vinte e também constando no livro “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer” de Steven Jay Schneider. Como coadjuvante o meio ambiente também se apresenta em diversos filmes nacionais devido a exuberância das paisagens que tornam-se com isso importante elemento cinematográfico. Um dos diretores que mais utilizam desse recurso é o alagoano Cacá Diegues em filmes como “Quilombo” (1984), “Tieta do Agreste” (1996) e “Deus é Brasileiro” (2003). Também o cenário natural é destaque em produções como “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) de Marcelo Gomes, “O Caminho das Nuvens” (Vicente Amorim) e “Árido Movie” (2004) de Lírio Ferreira.

Cinema, Aspirinas e Urubus

Cinema, Aspirinas e Urubus

Conclusão
Com o surgimento de diversas plataformas de exibição de vídeo, multiplicaram-se as janelas para a criatividade dos realizadores. O meio ambiente, como tema recorrente e internalizado culturalmente, tornou-se um dos assuntos naturalmente inseridos neste processo. Com a proliferação das redes sociais e também de festivais de cinema e vídeo pelo mundo, ao lado da popularização dos equipamentos de captação e edição de imagem tornou-se mais simples, barato e efetivo a realização de produções audiovisuais. O meio ambiente e suas questões estão desde o registro amador do cidadão que captura e socializa as imagens do risco da encosta onde mora, até as produtoras que viabilizam filmes de temáticas vinculadas as questões ecológicas patrocinadas por órgãos privados e públicos. A sociedade está cada vez mais conectada e partidarizada de acordo com as demandas que são propostas, tornando-se o cidadão mais consciente e informado das ocorrências, quer seja o aquecimento global ou a questão da reciclagem de lixo em sua cidade. Contudo o cinema, tradicional plataforma do espetáculo midiático continua apresentando esta temática não necessariamente de forma política ou engajada. A maior produção fílmica sem dúvida continua voltada ao entretenimento puro e simples, alheio às questões mais complexos que demandariam um nível um tom acima do mediano. Geralmente o que se tem como filmografia relacionada ao meio ambiente continua sendo o aspecto visual ou seja a partir da estética dos cenários lançam-se as histórias sem a preocupação de estrarem ou não em sintonia com a realidade.

Apesar da importância cada vez maior desta temática na vida cotidiana, o cinema ainda não reflete este aspecto de forma proporcional ao que se vê em sociedade com isto continua limitado apenas a construção do simbólico a partir da espetacularização de temas relacionados ao meio ambiente. É possível que com o tempo possam convergir a interação cada vez maior da sociedade e suas problemáticas ambientais, a partir do meio digital e a necessidade de expressão a partir do cinema. Indubitavelmente os dois processos tem mais pontos em comum do que disparidades, o que facilitará a possibilidade de convergência, enquanto isso continuaremos a ver essas linhas correndo em paralelo ainda sem um elo maior que as una.

Bibliografia
BENTE, Richard Hugh . Meio Ambiente e Cinema . SP : SENAC, 2008.
SCHNEIDER, Steven Jay . 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer. RJ: Sextante, 2008.