As 4 contravenções penais mais absurdas do Brasil (Parte 2)
30 de abril de 2022

Na segunda parte deste artigo, trataremos sobre mais duas contravenções penais absurdas, porém ainda em vigor. Esclareço também que o artigo está com um formato similar ao de manifesto, ideias soltas de forma rápida e incisiva. O motivo é que existem inúmeras críticas a serem feitas, de forma que, para elaborá-las de forma extensiva, seriam necessárias várias páginas.

Leia também:

  • As 4 contravenções penais mais absurdas do Brasil – Parte 1 (AQUI)

 

3. Embriaguez Pública

Embriaguez pública é considerada uma contravenção penal

Embriaguez pública é considerada uma contravenção penal

O artigo 62 da LCP prevê a contravenção penal de embriaguez pública:

Art. 62. Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Parágrafo único. Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em casa de custódia e tratamento. 

Quanto a colocar em perigo a segurança alheia, acredito ser suficiente dizer que o agente deve ser penalizado pela criação do risco ou pelo dano, caso haja previsão normativa para tal. Porém, penalizá-lo pela embriaguez que coloca em risco a segurança alheia é mais complicado. A embriaguez em si, pode causar prejuízo a segurança alheia? Acredito que esse raciocínio é nebuloso e perigoso, incompatível com um Direito Penal Garantista.

Além disso, já não é suficiente a penalização pelo dano/risco das condutas, sem levar em conta a embriaguez de forma autônoma? O raciocínio normativo parece querer punir a atitude de se embriagar demasiadamente e não as ações do bêbado. Porém, como todos sabemos, se embriagar não é crime e nem deveria ser.

Reforçando essa tese, está o capítulo no qual a contravenção penal se situa: das contravenções relativas à polícia de costumes. Escândalo, por definição, é um atentado contra os costumes. Ocorre que o conceito de “bons costumes” é extremamente mutável e volátil. O que era considerado como escândalo em 1940, é considerado normal atualmente. Além disso, “os bons costumes” não podem ser considerados como bem jurídico, tendo em vista que são ditames morais que não são essenciais ao funcionamento da sociedade.

O mais surpreendente, é que apesar de ser uma contravenção absurda, o tipo previsto pelo art. 62 não caiu em desuso. Em uma rápida pesquisa nos sites de tribunais, é possível encontrar processos recentes que versam sobre embriaguez em público.

Um ponto a ser observado é que o tipo possibilita uma aplicação extremamente discriminatória do Direito Penal. Vamos fazer um pequeno exercício prático. Imagine duas situações: 1 – um grupo de estudantes embriagados gritam loucamente para comemorar o final do semestre; 2 – um mendigo embriagado solta gritos esporádicos perto de um setor residencial. Em qual das duas situações, é mais provável que incida o Direito Penal?

Qual é a embriaguez que causa escândalo e coloca em risco a segurança?  Finalmente, alguém realmente acha que o Direito Penal é uma ferramenta adequada para combater um possível excesso no consumo de álcool?

4 –    Servir bebidas alcoólicas a quem se acha em estado de embriaguez e a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais 

Se um barman te servir uma bebida e voce se encontra em estado de depressão, o barman também é um contraventor

Se um barman te servir uma bebida e voce se encontra em estado de depressão, o barman também é um contraventor

O artigo 63 da LCP prevê a seguinte conduta:

Art. 63. Servir bebidas alcoólicas:

II – a quem se acha em estado de embriaguez;

III – a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais;

Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

A situação do inciso II parece aquela cena clássica que vemos apenas em filmes: o protagonista tem uma decepção e vai bebendo, bebendo, até que o barman diga que ele bebeu demais e deve ir para casa. Para o legislador, essa é a obrigação de todos que servem bebidas alcoólicas

É importante pontuar que, enquanto o inciso III fala em “a pessoa que o agente sabe sofrer”, o inciso II descreve apenas “a quem se acha em estado de embriaguez”.  Além disso, diferentemente do número 3 da nossa lista, o artigo não prevê maiores detalhes sobre a conduta do embriagado.

Ou seja, o agente tem obrigação de saber que a pessoa está embriagada e parar de servir bebidas alcoólicas. E como funciona isso? As pessoas devem monitorar o estado etílico no qual a outra se encontra? Além disso, as pessoas devem saber com precisão, quando outra está embriagada? Todos devemos andar com um bafômetro portátil para saber a quem podemos servir bebida alcoólica?

O artigo também não traz um conceito objetivo de embriaguez. Então, como o agente poderá saber quando alguém está embriagado nos termos da lei?

Ao ler o artigo, alguns podem pensar que se aplica apenas a proprietários de estabelecimentos comerciais. Porém, o tipo menciona a ação de “servir” e não de “vender”, “fornecer” ou outras que são praticadas em uma relação comercial.

Sobre o inciso II, é preciso ressaltar que a redação do dispositivo é péssima. Afinal, o que é “sofrer das faculdades mentais”? Seria deficiência mental, doença mental, ou um outro conceito indeterminado? O artigo também reflete um preconceito do legislador, não é correto afirmar que alguém sofre das faculdades mentais, tendo em vista que uma deficiência ou doença não implicam necessariamente em sofrimento.

A contravenção atenta expressamente contra a liberdade do indivíduo. A lei parte do pressuposto de que qualquer deficiência mental incapacita a pessoa de tomar escolhas simples. Porém, é uma generalização absurda que falha em abarcar as características das doenças e deficiências mentais.

Relembra-se ainda que o artigo 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) revogou os artigos do Código Civil que previam a incapacidade absoluta e relativa dos deficientes mentais. Assim, não pode mais a sociedade partir do pressuposto de que o deficiente mental não possui capacidade para realizar as suas próprias escolhas.

Com a análise que foi feita durante este artigo, cheguei a uma conclusão simples. Ninguém liga para as contravenções, as pessoas sequer lembram que existem. Por isso, bizarrices legislativas permanecem em vigor, ainda que possam ser consideradas inconstitucionais ou incompatíveis com outras normas de nosso ordenamento jurídico.

A LCP deve ser revogada imediatamente, até porque não há qualquer sentido em manter a figura da contravenção após a implementação das inovações trazidas pela Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), especificamente os institutos despenalizadores.

Porém, lembra-se que as contravenções ainda fazem parte do Sistema Penal e, por isso, não podem ser ignoradas. Isso porque o Direito Penal é esmagador, qualquer atuação, ainda que pequena, pode causar danos irreparáveis.

Fonte: Canal Ciências Criminais

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