Licença para roubar: eleitores e “supereleitores”
17 de setembro de 2014

Quem são os “supereleitores” de 2014? Até o dia 6/9/14 eram: JBS (Friboi, R$ 112 milhões doados para os candidatos ou partidos políticos), OAS (R$ 66 milhões), Grupo Vale (R$ 52 milhões), Ambev (R$ 41 milhões), Andrade Gutierrez (R$ 32 milhões), Bradesco (R$ 30 milhões), UTC (R$ 28 milhões), Queiroz Galvão (R$ 25 milhões), Odebrecht (R$ 25 milhões), BTG Pactual (R$ 17 milhões) (Estado 15/9/14: A4). Mas muito mais dinheiro vai rolar ainda até o final das eleições. Os 19 maiores “financiadores” doaram metade do total (R$ 1 bilhão). Bancos, alimentação, bebidas e empreiteiras são os maiores “doadores”. Em 2010, R$ 52 milhões foram ocultos (mas isso já não é possível).

De que maneira esse dinheiro volta para eles (com excelente retorno)? Emendas parlamentares, convênios fraudulentos, licitações com cartas marcadas, empréstimos com juros baixos etc. Fundamental também é o direcionamento da produção legislativa. Somente as leis que eles querem são aprovadas (nisso existe bastante fidelidade dos parlamentares e governantes). Outro ponto relevante: dentro do Congresso fazem de tudo para proteger essas empresas doadoras de eventuais investigações. De todo esse dinheiro que sai dos cofres públicos para os “doadores”, boa parcela fica como propina nas contas dos políticos (para a construção dos “fundos de campanha”).

Não existe democracia perfeita. A nossa não é diferente. Seus vícios competem diuturnamente com suas virtudes (e muito provavelmente as superam, até mesmo com certa superlatividade). Dentre as mazelas das modernas democracias destaca-se a pedintaria dos eleitores votantes, que acabou forjando ou incrementando os “supereleitores mandantes” (que são os que “democrática” e venenosamente “financiam” as campanhas eleitorais dos mancomunados candidatos, exigindo depois o devido “retorno” – para cada R$ 1 real “investido” em 2010, os “supereleitores” receberam R$ 8,5 de volta, por meio de contratos lícitos (poucos) ou cartelizados, fraudes, corrupção, aprovações de leis protetivas dos seus interesses, favorecimentos e pagamentos de gordas propinas – veja Globo-G1 7/5/14).

O fenômeno, tão conhecido como pouco insólito, bem típico também dos costumes que alimentam e nutrem nossa vida política bolorosa (desde a era Imperial), não escapou da arguta capacidade olfativa e observativa de Timon (personagem criado por João Francisco Lisboa, Jornal de Timon, p. 186 e ss.).

Trágicas e variadas consequências emergem desse deplorável sistema de pedintaria (os eleitores pedem aos candidatos e estes instam os “supereleitores”, os financiadores), que estimula o clientelismo, o servilismo, o favoritismo e a corrupção, em detrimento da promoção de um sério debate em torno de ideias que pudessem encaminhar boas soluções para os graves problemas do país. Dentre as consequências, destacam-se:

Em primeiro lugar, o despudorado uso da máquina pública para cobrir os gastos da campanha [para citar um exemplo, o TRE-RJ está investigando se as propagandas eleitorais da situação foram ou não pagas com dinheiro público]. Como bem sublinhava Timon: “Cumpre notar que os do lado do governo ficam a este último respeito (gastos com campanhas) de melhor partido, porque os soldados [mais gastos com marqueteiros, propagandas impressas, anúncios, panfletos etc.] pagos à custa do tesouro servem para este fim, e andam num contínuo rodopio” [são incontáveis os casos de abuso do poder econômico, de crimes eleitorais e de corrupção cometidos com o “louvável” escopo de vencer as eleições – veja Marlon Reis, Nobre deputado].

Outra fonte de receitas para cobrir os gastos eleitorais é o “dizimo” (cobrado dos parlamentares eleitos assim como dos funcionários enganchados na “folha” do Estado, frequentemente sem nenhum critério meritocrático).

Mas a terceira e mais dramática consequência do sistema de pedintaria reside na necessidade de buscar recursos de particulares ou de empresas para o financiamento dos gastos eleitorais (é por meio desse processo que os mandatos públicos são vendidos, de forma vil e abjeta, a ponto de macular a democracia, atingindo sua medula espinhal).

Trata-se de uma perversão inominável do sistema democrático, porque os “supereleitores” (os grandes eleitores do País), quando depositam suas cédulas nas “urnas donativas”, passam a contar com um poder que vai muito além daquele que pertence ao votante de carne e osso (Estado 8/9/14: A3). A política brasileira está completamente podre (C. A. Di Franco, Estado 15/9/14: A2). Só pode mudar se houver muita pressão popular (daí nosso movimento “fimdareeleição. Com. Br”).

Adendo 1: Democracia podre

Marlon Reis (no seu livro Nobre deputado) explica: “Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde de urna eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais”.

Timon dizia (já na metade do século XIX): “Por via de regra as posses dos simples particulares [dos candidatos] não bastam para fazer face a estas enormes despesas, posto que deles haja que gastem contos de réis, e até fiquem arruinados; e então a necessidade [de vencer as eleições e não perder o poder, as mordomias, os cargos públicos de provimento por indicação direta etc.]obriga a recorrer a outro gênero de pedincha, mais restrito, porém mais em grande, a que se chama tirar subscrição [ou seja: doações, que são, na verdade, vergonhosos “investimentos”].

Timon ainda explica: “Não faltam sujeitos que se oferecem para desempenhar o melindroso papel de tesoureiro de campanha” [que se transforma num tipo de pedinte-geral da nação]. Alguns deles aproveitam a ocasião para se apropriar de uma comissão, que às vezes absorve quase metade do capital arrecadado. Muitos “doadores” não se recusam a dar, porém, dão com a “pior cara que podem”.

Outros, os que vislumbram melhores perspectivas [rentabilidades] nos seus “investimentos”, ficam de bem com todos os candidatos [porque assim asseguram que seus ganhos no mercado prosperem cada vez mais, que novos empréstimos de dinheiro público auxiliem no crescimento das suas empresas, que novos contratos sejam adjudicados ou fraudados etc.].

A ajuda caridosa e “cívica” dos “supereleitores” favorece muito mais os candidatos à reeleição, porque já azeitados com o sistema da pedintaria e do fisiologismo, jogando para o lixo o princípio da igualdade. Toda essa baixaria indecorosa e nauseante acontece, desde o Império, nas barbas de todos os eleitores assim como das autoridades, que são os únicos que podem cortar na raiz os rios de imoralidade inenarrável que correm do Oiapoque ao Chuí.

Adendo 2: flash do sufrágio censitário

Não se pode confundir o sufrágio (poder e direito de participar da vida democrática do país) com o voto (instrumento que concretiza o poder de sufrágio). Quando manifestamos nossa vontade numa urna eleitoral exercitamos nosso poder de sufrágio (por meio do voto). Esse sufrágio pode ser restrito (como era no período Imperial, por exemplo, posto que censitário, discriminatório, racial, patriarcal) ou universal (que tende a democratizar a participação dos cidadãos na vida política do país). São os donos do poder que definem a dimensão do sufrágio.

De 1500 a 1821 os brasileiros não eram eleitores, logo, não votavam. Depois da independência formal do Brasil (1822) veio a Constituição de 1824, que admitiu o sufrágio discriminatório e censitário (somente o homem podia votar e desde que proprietário de terra ou outro bem de raiz, com 25 anos ou mais e que tivesse renda mínima de 100 mil réis). Para os cargos mais importantes, a renda mínima exigida era maior (é dizer: somente a elite seleta podia eleger seus pares para os cargos mais importantes da monarquia constitucional).

O voto direto para as eleições legislativas só aconteceu em 1881 (mas somente os donos do poder votavam, porque foram excluídos os parasitados analfabetos). Resultado: na eleição de 1886, apenas 0,8% da população votou (Laurentino Gomes,1889).

Nos primeiros anos da República Velha (a partir de 1889) ainda era baixíssimo o número de votantes. A elite comandante (fundamentalmente agroexportadora) nunca perdeu sua vocação parasitária, mas não mais imperando com a escravidão (abolida formalmente em 1888), sim, com o neoescravagismo (trabalho assalariado vil, ignóbil e imoral, que foi recusado por praticamente todos os estrangeiros que para ca vieram para trabalhar).

Neoescravagismo, analfabetismo, concentração de riquezas (nas mãos dos eleitos pelo modelo segregacionista de sociedade) e exclusão da imensa maioria da população do processo eleitoral: esse era o sistema eleitoral nos primeiros anos da República, que se caracterizava também (sobretudo) pelo voto manipulado, fraudado, roubado ou comprado.

O voto do eleitor, num determinado período, foi aberto. Isso deu margem para a fraude. Também foi (e ainda é) uma prática corrente, nesse período, o voto de cabresto, comandado pelo coronelismo (veja Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto).

Nas duas ditaduras (1930-1945 e 1964-1985) não se falava em voto (ao menos para o executivo federal). No período democrático de 1946-1963 continuava o voto roubado, comprado, falsificado, fraudado. As eleições, ao longo do século XX, foram se universalizando, mas sem nenhuma garantia de limpeza no processo eleitoral. É dizer: continuávamos sob o império do voto viciado. Na redemocratização (Nova República, a partir de 1985) continua predominando o abuso do poder econômico (que compra os votos dos parlamentares que, por sua vez, compram os votos dos eleitores).

O sufrágio censitário ou pecuniário, como se vê, foi abolido frente aos eleitores votantes, mas não morreu completamente, não foi extirpado dos nossos costumes políticos. Quando banido, escorraçado e enxotado pela porta da frente, ele regressa pela janela: porque nunca deixou de ser a essência dos eleitores mandantes (dos supereleitores).

Dentre todos os pecados das capengas e sôfregas democracias, um dos mais deploráveis reside na existência de duas categorias de eleitores: os votantes (141,8 milhões nas próximas eleições) e os mandantes (estes são os que financiam as campanhas eleitorais conforme seus interesses, consoante suas polpudas planilhas “cívicas e democráticas”, inspiradas no mais saudável e “conspícuo” progresso da “nação”).

O financiador economicamente potente (no mês de agosto/14 os destaques foram Construtora OAS, o frigorífico JBS e a Construtora Andrade Gutierrez – veja Estado 8/9/14: A3) é um eleitor supinamente diferenciado. Os candidatos se acusam de estarem sendo financiados por banqueiros ou empresas. Mas toda essa demagogia e hipocrisia (que esnoba os banqueiros) só tem valor da boca para fora, sem nunca afetar o âmago do seu “coração”.

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