Nise Yamaguchi processa senadores da CPI e pede R$ 320 mil em danos morais
20 de junho de 2021

A médica Nise Yamaguchi entrou com uma ação por danos morais contra os senadores Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, e Otto Alencar (PSD-BA) pelo tratamento dispensado a ela durante o depoimento prestado na comissão parlamentar no início de junho. Ela afirma ter sido vítima de misoginia e humilhação no interrogatório e cobra indenização de R$ 160 mil de cada um – que, segundo o processo, será integralmente doado. Neste domingo, ela publicou uma carta aberta sobre o assunto (leia abaixo).

A ação, assinada pelos advogados Raul Canal e Danny Gomes, fala que os senadores atacaram a dignidade de Nise “enquanto médica, cientista e mulher” e intimidaram a oncologista. A defesa também pede que a Procuradoria-Geral da República (PGR) seja comunicada para analisar se os parlamentares cometeram o crime de abuso de autoridade.

“Os requeridos abusaram de seu direito, e sua conduta, além de ilegal e injusta, não foi adequada ou necessária, merecendo ser coibida e punida severamente”, escrevem os advogados. “Projetaram-se politicamente mediante a exploração e humilhação pública da autora, tratando-a como verdadeira inimiga”, acrescentam.

Defensora do tratamento precoce para tratar pacientes com Covid-19 – um coquetel de mais de dez medicamentos -, a médica foi colocada na lista de investigados divulgada na sexta-feira, 18, pela CPI. Durante o depoimento, ela foi questionada sobre a existência do suposto “gabinete paralelo”, que teria aconselhado o presidente Jair Bolsonaro sobre a gestão da pandemia.

Médico de formação, Otto Alencar confrontou Nise sobre conhecimentos técnicos a respeito de doenças virais. Insatisfeito com as respostas, interrompeu a oncologista. Uma das perguntas feitas pelo senador foi se a médica sabia qual era a diferença entre protozoário e um vírus. Como resposta, a médica disse que “protozoários são organismos celulares, e os vírus são organismos que têm um conteúdo de DNA ou RNA”, uma definição simples, mas correta. Mas o senador não aceitou a resposta, dizendo que a médica não era infectologista e por isso não sabia o que estava dizendo.

Mais adiante, o senador pergunta o nome do grupo a que pertence o coronavírus. A médica responde coronaviridae, o que é correto. Mas Otto Alencar insistiu em dizer que a médica “não sabe nada de infectologia. Nem estudou doutora”. Em outro momento, o senador pergunta qual é o exame que prova se um paciente tem imunidade da doença; a médica responde certo, mas o senador a interrompe e diz: “A senhora não respondeu! O teste é o de anticorpos neutralizantes”.

O comportamento dos senadores com a médica, com interrupções e falta de respeito, foi motivo de uma nota de repúdio à CPI da Covid, escrita por médicos. No texto, os médicos afirmam que os senadores, por motivos partidários e eleitoreiros, “desonram o Poder Legislativo e afrontam a classe médica”.

Nise Yamagushi é médica Oncologista e Imunologista, doutora em Pneumologia, desenvolvido no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em conjunto com o MD Anderson Cancer Center -Texas, USA. Dirigiu a Sociedade Brasileira de Cancerologia, Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SP), a Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, a Sociedade Brasileira de Cuidados Paliativos e a Sociedade Brasileira de Apoio ao Paciente com Câncer.

A assessoria de imprensa do senador Otto Alencar (PSD/BA) respondeu, por escrito que o parlamentar ainda não foi notificado. “Assim que ocorrer a notificação, os advogados responderão, de acordo com a lei. A Constituição Federal em seu artigo 53, garante a senadores e deputados, o direito a manifestações, opiniões e votos no exercício de suas funções. O senador Otto Alencar reforça que durante os seus questionamentos se referiu a médica Nise Yamaguchi, com respeito sempre a tratando como doutora, senhora e Vossa Senhoria. Quanto à pergunta sobre vírus e protozoário, a médica não soube responder a indagação. O questionamento foi feito com o objetivo de indicar, como atestam cientistas e especialistas na área de saúde, que nenhuma medicação evita a contaminação pelo coronavírus e que o tratamento precoce, defendido por Nise Yamaguchi, não funciona e não é recomendado.”

Leia a íntegra da carta de Nise Yamaguchi, divulgada neste domingo (20):

“São notórios e de conhecimento nacional o desrespeito e a humilhação por mim sofridos durante o depoimento prestado à CPI da pandemia no Senado Federal no dia 1º de junho de 2021.Médica há mais de quatro décadas, nunca imaginei passar por situação parecida. É triste perceber que, na Casa do Povo Brasileiro, mesmo após décadas de evolução, ainda se perpetuem comportamentos misóginos.

Por diversas vezes, tive minhas falas e raciocínios interrompidos. Ignoraram meus argumentos e atribuíram a mim palavras que não pronunciei. Não foi por falta de conhecimento que deixei de reagir, mas, sim, por educação. Não iria alterar a minha essência para atender a nítidos interesses políticos.

A partir daquele momento, passei a ser extremamente vilipendiada nas redes sociais com agressões em tons ameaçadores, o que é muito preocupante para um estado democrático.

Não faço parte de nenhum partido político. Atuei nos últimos cinco governos como colaboradora eventual, pelo bem da saúde do Brasil e do mundo, sendo que entre 2007 e 2011, participei oficialmente do gabinete do Ministério da Saúde. Meus principais trabalhos foram em ações de controle do tabaco, tratamento personalizado e de precisão do câncer, dentre outros afazeres de compliance e governança.

Agradeço o apoio do Conselho Federal de Medicina, do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e às inúmeras manifestações de apoio de entidades de classe e de apoio à mulher e ao idoso. Atendo os meus queridos pacientes em Brasília e em São Paulo e deles, de suas famílias e dos colegas, tenho recebido um reconfortante apoio.

Na qualidade de mulher e de idosa, optei por entrar com uma ação judicial contra os senadores Omar Aziz e Otto Alencar, como uma medida para restaurar minha integridade e a de diversos outros médicos brasileiros, os quais também foram afetados com os discursos proferidos pelos parlamentares naquele dia.

Todos os valores ganhos com a causa serão revertidos a hospitais que tratem de crianças com câncer.”

Fonte: Gazeta do Povo

 

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