Navio Bouboulina, da empresa Delta Tankers, é responsável pelo vazamento de petróleo, diz PF
2 de novembro de 2019

O juiz da 14ª Vara Federal em Natal determinou busca e apreensão na empresa Lachmann Agência Marítima

O navio mercante Bouboulina, de bandeira grega e propriedade da empresa Delta Tankers LTD , é o responsável pelo petróleo vazado que contamina a costa do Nordeste. Esta é a informação da Polícia Federal (PF) que consta na decisão do juiz federal Francisco Eduardo Guimarães Farias, da 14ª Vara Federal em Natal.

O juiz determinou busca e apreensão na empresa Lachmann Agência Marítima , que foi agente marítimo da Delta Tankers no Brasil. Outra empresa foi alvo de busca e apreensão autorizada pelo juiz, a Witt O’Brien’s. Ambas as empresas ficam no Centro do Rio. A Lachmann é a representante da Delta Tankers no Brasil, e a Witt O’Brien’s faz recomendações e cuida de planejamento para a empresa em casos de acidentes no mar.

Foram cumpridos nesta sexta-feira dois mandados de busca no Rio em sedes de representantes e contatos da empresa grega responsável pelo navio.

O navio Bouboulina, da empresa grega Delta Tankers, é apontado pela Polícia Federal como causa do derrame de óleo no Nordeste Foto: Andreas Schröder /  

O navio Bouboulina, da empresa grega Delta Tankers, é apontado pela Polícia Federal como causa do derrame de óleo no Nordeste Foto: Andreas Schröder /

A partir de informações fornecidas pela Marinha, foi constatado que a Delta Tankers tinha um agente marítimo no Brasil, a Lachmann Agência Marítima, e que o navio grego Bouboulina tinha um “indivíduo qualificado” no Rio, a Witt O’Brien’s. Esta última empresa atua no ramo de riscos e orienta empresas marítimas sobre planos de contingência e procedimentos a serem adotados em desastres, conforme a PF.

A empresa contratada atuou “no famoso caso de vazamento de óleo da plataforma DeepWater Horizon”, como está reproduzido na decisão. Trata-se de uma plataforma que explodiu no Golfo do México em 2010, matando 11 trabalhadores e derramando milhões de barris de petróleo no mar.

O Ministério Público Federal sustenta, no pedido de  busca e apreensão  encaminhado à Justiça Federal no Rio Grande do Norte, que a empresa, o comandante do navio e a tripulaçãoforam “no mínimo criminosamente omissos” ao deixar de comunicar o vazamento:

“É incontestável a existência de fortes indícios no sentido de que navio mercante Bouboulina, da empresa Delta Tankers LTD, foi o navio envolvido com o vazamento de petróleo que gerou uma poluição marinha sem precedentes na história do Brasil”, afirmam os procuradores da República Cibele Benevides e Victor Mariz. “Há fortes indícios de que a empresa Delta Tankers, o comandante do navio mercante Bouboulina e sua tripulação foram no mínimo criminosamente omissos ao deixarem de comunicar às autoridades competentes acerca de vazamento/lançamento de ‘petróleo cru’ no Oceano Atlântico que veio a poluir centenas de praias brasileiras.”

Navio suspeito de vazar óleo no Nordeste seguiu para a África do Sul. Polícia Federal brasileira alertou a Interpol para localizar o comandante da embarcação

Investigações

Em abril, o Bouboulina, que já foi usado pela Petrobras pelo menos uma vez , ficou detido na Filadélfia, nos Estados Unidos, por quatro dias, conforme documento encaminhado pela Marinha à PF. A detenção ocorreu por “incorreções de procedimentos operacionais no sistema de separação de água e óleo descarga no mar”.

De acordo com as investigações, o navio atracou na Venezuela em 15 de julho. O Bouboulina carregou 1 milhão de barris do petróleo cru tipo Merey 16 no Porto de José, segundo informações fornecidas pela agência de geointeligência Kpler, a pedido do G1, com base nos dados da Operação Mácula. O derramamento teria ocorrido a 700 quilômetros da costa brasileira entre os dias 28 e 29 de julho. Estudos sobre a rota do navio indicam que ele seguiu para Cingapura.

De acordo com o site, o óleo Merey 16 é uma mistura de petróleo cru extrapesado extraído do Cinturão do Orinoco, com vários diluentes. Geólogos, engenheiros e químicos afirmam que esse é o tipo de óleo mais prejudicial ao meio ambiente. Além disso, trata-se de um material de difícil detecção por imagens de satélite. Por ser extrapesado, esse óleo é mais denso que a água salgada e fica parcialmente submerso, o que dificulta sua identificação até chegar próximo à costa, onde forma manchas escuras e assume características similares ao piche.

As investigações foram realizadas de forma integrada com Marinha, Ministério Público Federal, Ibama e as universidades Federal da Bahia (UFBA), de Brasília (UnB) e Universidade Estadual do Ceará (UEC). Também houve apoio de uma empresa privada do ramo de geointeligência.

A Polícia federal pediu cooperação a cinco países: Nigéria, África do Sul, Cingapura, Venezuela e Grécia. Foi enviado um comunicado ao governo da Grécia e à empresa grega pedindo explicações, de acordo com o “Jornal Nacional”. O Brasil pode abrir um processo criminal no Tribunal Marítimo Internacional pedindo ressarcimento pelos gastos com a limpeza do litoral nordestino.

A Descoberta

As investigações estão sendo conduzidas pela Polícia Federal com o apoio da Marinha e outras instituições. Mas a descoberta da mancha original coube a uma empresa privada, a HEX. Especializada em georreferenciamento , a empresa obteve e repassou à Polícia Federal 830 imagens produzidas no local. As imagens, com data e horário, permitiram à polícia e, depois à Marinha, identificar a primeira mancha do óleo derramado e estabelecer o momento provável do crime.

 Imagens de satélite analisadas pela empresa  indicam que a mancha original de óleo no mar tinha 200 quilômetros de extensão.

As imagens e dados foram repassados à Polícia Federal. Depois de uma primeira checagem das informações, a polícia encaminhou o material a Marinha. A partir daí, a Marinha fez um rastreamento e identificou o navio que passou pelo local do crime, nos momentos indicados pelas imagens. A empresa privada forneceu as fotos e alguns dados adicionais por iniciativa própria e sem cobrar qualquer valor da polícia pelo serviço.

O comandante do navio e a empresa  Delta Tankers estão sendo investigados por pelo menos três tipos de crime: poluir o meio ambiente, não adotar medidas preventivas para evitar danos ambientais e, por último, não comunicar às autoridades competentes o derramamento de óleo na costa brasileira. Para a polícia, são fortes os indícios de materialidade e autoria, ou seja, já se sabe da prática do crime e quem são seus autores. Falta esclarecer agora as circunstâncias. Ou seja, a polícia precisa identificar se o vazamento foi intencional ou acidental .

— Não sabemos ainda se o crime foi doloso (intencional) ou culposo (não intencional). Tem indícios suficientes de autoria, da empresa e do navio. Em crimes ambientais empresas são indiciadas. As empresas também são acusadas de crime ambiental. Não só para a pessoa do comandante e a tripulação, mas também a empresas – disse o delegado Agostinho Cascardo, numa entrevista coletiva em Natal.

Segundo Cascardo, o derramamento de óleo é considerado pequeno em relação a carga do navio.

— O que chegou à costa brasileira é uma fração. O que mostra que foi um pequeno vazamento ou um descarte intencional — afirma o delegado.

O navio

O petroleiro deixou a Nigéria e está agora navegando em águas da África do Sul. Mais cedo, a Marinha havia afirmado que o navio tanque  estaria ancorado na Nigéria,  mas sites de rastreamento de embarcações, que monitoram sinais abertos de transponders, indicam que a embarcação deixou a costa nigeriana e está agora próxima à Cidade do Cabo.

Os sites Vessel Finder, Marine Traffic, MyShipTracking e FleetMon indicam o navio com localização na costa sulafricana na última meia hora.

O Bouboulina já foi utilizado pela Petrobras pelo menos uma vez. A informação consta de documentos colhidos pela Operação Lava-Jato junto à estatal. Durante as investigações, a Petrobras forneceu aos procuradores uma lista com os navios que contratou junto a armadores gregos. A lista mostra que o Bouboulina prestou serviços a Petrobras em 2011, ao custo de US$ 1,84 milhão.

Construído em 2006 e nomeado em homenagem a Laskarina Bouboulina, heroína da Guerra da Independência Grega, o navio-tanque tem 276m de comprimento e pode carregar até 164 mil toneladas (somando carga, passageiros, água, combustível, mantimentos etc.).

Seu porto de origem fica na cidade de Pireu, vizinha a Atenas. Sites especializados em rotas navais mostram que ele teria aportado na Cidade do Cabo, na África do Sul, vindo do Norte, e atualmente estaria seguindo rumo ao Sul, no sentido do Cabo da Boa Esperança. No entanto, a PF informou mais tarde que o navio estaria ancorado em um porto da Nigéria.

O que dizem as empresas

A Delta Tankers, dona de navio suspeito de vazamento de óleo, disse à Reuters que não foi procurada pelas autoridades brasileiras.

Em nota, a Lachmann diz não ser alvo da investigação da Polícia Federal e que foi somente solicitada a colaborar com as investigações das autoridades.

“Fundada em 1927, a Lachmann Agência Marítima atende vários navios de diversos armadores que escalam os portos brasileiros, fornecendo serviços relacionados à entrada e saída nos portos. Esses serviços correspondem ao atendimento das normas relacionadas aos órgãos anuentes, como Anvisa, Capitania dos Portos, Polícia Federal, Receita Federal, Docas e outros, e coordenação da contratação de serviços portuários relacionados, como praticagem, rebocadores, lanchas de amarração e outros. A agência marítima é uma prestadora de serviços para as empresas de navegação, não tendo nenhum vínculo ou ingerência sobre a operacionalidade, navegabilidade e propriedade das embarcações”, continua o comunicado.

Também em nota, a Witt O’Brien’s diz que só possui contrato com o navio Bouboulina para navegação em águas dos Estados Unidos, Canadá ou no Canal do Panamá, mas que sua subsidiária no Brasil “não possui nem nunca possuiu contrato com a Delta Tankers”.

“O contrato prevê que, em caso de acidente em águas americanas, canadenses ou no Canal do Panamá, o navio deve informar imediatamente a Witt O’Brien’s Estados Unidos, que tomará as medidas cabíveis para contratar serviços de contenção, limpeza ou resposta a emergência, sempre que necessário, assim como acionar as autoridades nos locais englobados pelo contrato. A Witt O’Brien’s Estados Unidos age exclusivamente de forma reativa e somente se acionada pelo navio contratante”, explica o comunicado.

A empresa brasileira informa também que países como Canadá, Estados Unidos, Panamá e Argentina exigem que os navios que se dirigem aos seus portos tenham contratos pré-estabelecidos com empresas de atendimento e gerenciamento de emergências, mas que, no Brasil, esse tipo de exigência não existe e esse tipo de contrato não é praticado pela Witt O’Brien’s Brasil.

Fonte: G1