Metade das cidades brasileiras ainda despeja lixo a céu aberto
3 de agosto de 2020

Metade das cidades brasileiras ainda despeja lixo a céu aberto e 58% delas não têm sustentabilidade financeira para tratar os resíduos, revela estudo.

Dez anos após a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, país ainda está longe de atingir as metas estabelecidas na lei

Há exatos dez anos, entrava em vigor em todo o território brasileiro a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecendo um prazo de quatro anos para os municípios providenciarem a destinação ambientalmente correta do lixo gerado pela população. Uma década mais tarde, o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana – ISLU, elaborado pela consultoria e auditoria PwC Brasil em parceria com o Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB, analisou a realidade em 3313 municípios em todos os estados do país, constatando que 49,9% das deles ainda enviam seus resíduos para depósitos irregulares e ilegais, os famosos lixões; 17,8 milhões de brasileiros sequer têm coleta de lixo em suas residências; apenas 3,8% dos resíduos são reciclados e somente 41,5% das prefeituras adotaram algum de sistema de custeio individualizado, seja por taxa ou tarifa, para remunerar os serviços de manejo de resíduos sólidos, outra medida estruturante prevista na PNRS e que ganhou relevância com o novo marco legal do saneamento.

“Os resultados mostram que a legislação por si só não é suficiente. Os lixões a céu aberto, por exemplo, são proibidos no Brasil desde a década de 1950 e, mesmo assim, ainda existem mais de três mil deles espalhados pelo país. Mesmo com o novo marco do saneamento, o quadro só deve mudar se a atuação dos órgãos de controle, conforme vem ocorrendo em diversos estados, apoiar a estruturação técnica e financeira da gestão municipal de resíduos sólidos”, explica Marcio Matheus, presidente do Selurb.

“A gestão dos resíduos sólidos é uma das dimensões do mencionado novo marco regulatório do saneamento básico, trazendo três elementos fundamentais para o setor: a sustentabilidade econômico-financeira do sistema, mecanismos para ampliação dos atores e a possibilidade de implementar leituras regionais para a resolução dos problemas de falta de escala”, comenta Federico Servideo, sócio da PwC Brasil.

Assim como nos anos anteriores, o ISLU 2020 mostra que a Região Sul do Brasil permanece muito acima das demais em quatro das dimensões analisadas. Nela, mais de três quartos dos municípios analisados possuem algum tipo de cobrança para custear os serviços de manejo de resíduos sólidos, o percentual de reciclagem é o dobro da média nacional e mais de 85% do lixo é enviado para o destino correto. Entre os estados da região, Santa Catarina é o que obteve a maior pontuação, com destaque para o desempenho das cidades de Blumenau e Joinville, que estão entre as dez melhores do Brasil acima de 250 mil habitantes.

“O diferencial da cidade de Joinville é ter tratado como utility os serviços de coleta, tratamento e destinação ambientalmente adequada de resíduos, passando a remunerá-los por meio de tarifa, como acontece com água e esgoto, energia elétrica, gás, telecomunicações, entre outros serviços de infraestrutura básica residencial e comercial, que fazem do usuário um co-gestor dos serviços. O cidadão remunera e interage diretamente com a concessionária dos serviços, enquanto o poder público cuida da regulação”, destaca Carlos Rossin, diretor de Sustentabilidade do Selurb. Ele lembra que este modelo tarifário é comum no mundo e onde adotado os serviços alcançaram um novo patamar.

Por outro lado, as regiões Norte e o Nordeste ainda estão muito distantes dessa realidade, ostentando o nível de cobertura médio de coleta mais baixo do país e um índice de destinação correta inferior a 15%, ou seja, quase todo o lixo coletado nas duas regiões ainda vai para lixões a céu aberto, contaminando solos, rios, mares e o ar e também vulnerando a saúde da população do entorno.

Já Sudeste e Centro-Oeste, apesar de serem as melhores regiões no que diz respeito à cobertura média de coleta, ainda possuem índices a melhorar. Os números do Sudeste são os que mais se assemelham à média nacional nas demais dimensões, enquanto os do Centro-Oeste ainda estão mais próximos da realidade Norte/Nordeste do que da realidade Sul.

“Há que se destacar, porém, que a região Centro-Oeste melhorou seu desempenho nas quatro dimensões analisadas. Muito em consequência de iniciativas inovadoras, como as verificadas em Mato Grosso do Sul, onde o Ministério Público, em parceria com o Tribunal de Contas, passou a assistir as prefeituras na criação e implementação de mecanismos de cobrança pela prestação dos serviços, de forma conjugada com soluções regionalizadas, diluindo e reduzindo os custos logísticos e de destinação final dos resíduos para a população”, explica Rossin. Hoje, em 80% dos municípios de MS, os resíduos domésticos são destinados adequadamente, média muito acima da nacional.

“O ISLU se apresenta como uma valiosa ferramenta que, a partir dos dados informados pelas prefeituras, permite mensurar o status de cada cidade no que diz respeito ao cumprimento das diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos”, afirma Servideo.

Assim como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o ISLU avalia os municípios por uma escala que vai de zero (baixo desenvolvimento) a um (alto desenvolvimento), medindo a aderência de cada um deles às diretrizes e metas da PNRS, considerando critérios como sustentabilidade financeira, cobertura de coleta, impacto ambiental e recuperação de recursos coletados. Em 2020, foram considerados na análise 3.313 municípios, com dados coletados a partir do Sistema Nacional de Informações de Saneamento.

Esta é a quinta edição do estudo, que ocorre desde 2016. Em termos gerais, os resultados demonstram uma certa confirmação, ou seja, apresentando poucos avanços e/ou retrocessos quando comparados com os da edição de 2019.



 

Melhores cidades

Entre as maiores cidades brasileiras, as que tiveram melhor resultado no ISLU 2020 estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste do país. Entre as principais vantagens apresentadas por essas cidades, está a presença de um modelo de arrecadação específica, separado do orçamento geral do município, que cobre integralmente, ou quase, os custos das atividades de coleta e tratamento de resíduos.

Segundo Leonardo Silva, Assessor Econômico do SELURB, a sustentabilidade financeira é um fator preponderante para determinar o bom desempenho em relação à gestão do lixo. A cobrança pelos serviços já está presente em cerca de 40% dos municípios brasileiros, porém, na maioria deles, ainda de forma parcial. Agora, com a entrada em vigor do novo marco do saneamento, a expectativa é de que esta realidade comece a mudar, pois as prefeituras terão até 12 meses para implementar a arrecadação específica, sob pena de caracterização de renúncia fiscal injustificada.

“Implementar um sistema de cobrança em qualquer cidade é complexo porque somos um país com muitas desigualdades sociais. O exemplo citado de Joinville é interessante também neste sentido, porque seu método de cobrança, com valores diferentes para cada região da área urbana, permite aplicar tarifas sociais em bairros com população socialmente vulneráveis”, finaliza Rossin.



 
“Num momento que cada vez mais se fala de sustentabilidade, no que diz respeito a resíduos sólidos, o Brasil deve continuar a avançar na cobertura da coleta, na destinação correta (notadamente com a implementação de aterros sanitários eliminando os lixões) e, respeitando-se as devidas equações financeiras, na reciclagem inteligente. Os resultados do ISLU 2020 indicam, mais uma vez, uma positiva correlação entre sustentabilidade financeira específica do sistema e maior cobertura e destinação correta”, afirma Servideo.
 
SELURB