Construção de barragens nos Andes pode ter efeitos ‘catastróficos’ no Amazonas
26 de agosto de 2017

Modelos estimam redução no fluxo de sedimentos e nutrientes que alimentam peixes e ribeirinhos ao longo de todo o rio.

A construção de seis barragens planejadas para os Andes pode ter efeitos “catastróficos” para a bacia amazônica, conclui relatório produzido por uma equipe internacional de cientistas. Segundo os pesquisadores, os modelos preveem uma redução dramática no fluxo de sedimentos ao longo de todo o rio, ameaçando a segurança alimentar de milhões de pessoas e a rica fauna da região da planície de inundação.

— A redução prevista de sedimentos e nutrientes além dos locais das barragens seria catastrófica para a vida selvagem da região, além das incontáveis comunidades que confiam no rio para a agricultura — alertou Bruce Forsberg, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e líder do estudo publicado na revista “Plos One”.

A região andina representa apenas 11% da bacia amazônica, mas fornece 93% dos sedimentos e a maior parte dos nutrientes carregados pelo sistema do Rio Amazonas. E a dinâmica desses sedimentos desempenha papel importante na formação geológica de toda a bacia, movendo areia, rochas, terra e nutrientes dos Andes até o delta.

O estudo avaliou o impacto potencial da construção das barragens Pongo de Manseriche, Inambari, TAM 40 e Pongo de Aguirre, no Peru; e Angosto del Bala e Rositas, na Bolívia. A estimativa é de redução de 894 milhões de toneladas/ano no fluxo de sedimentos além das barragens. Isso representa 69% de todos os sedimentos provenientes da região andina e 64% de todo o fornecimento de sedimentos do Rio Amazonas.

— A influência da bacia do Rio Amazonas — o maior e mais diverso ecossistema de água doce do mundo — é sentida literalmente por bilhões de pessoas em todo o mundo — disse Julie Kunen, vice-presidente da ONG WCS para as Américas. — O planejamento de construção de qualquer infraestrutura na região sensível das cabeceiras nos Andes devem considerar o impacto acumulado no ecossistema inteiro, especialmente nas populações de peixes que são vitais para a segurança alimentar da região.

PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO PERMANENTEMENTE SECAS

E os efeitos dessa redução seriam dramáticos: canais ficarão mais profundos, reduzindo as inundações sazonais necessárias para levar sedimentos e nutrientes para as planícies e que conectam ambientes para a migração de peixes e pessoas. Segundo o estudo, o fornecimento de fósforo e nitrogênio para o sistema do Rio Amazonas seria reduzido em 51% e 23%, respectivamente, substâncias críticas para a agricultura e produção de peixes, principais fontes de alimentos para as comunidades ribeirinhas.

A redução no fluxo de fósforo vai reduzir a abundância de fitoplâncton e dos peixes que se alimentam dele, espécies que representam 40% da pesca comercial. A redução do nitrogênio vai diminuir a fertilidade do solo e a produtividade agrícola, exigindo maiores investimentos em fertilizantes químicos.

Além disso, os cientistas preveem que grande parte da planície de inundação ficaria permanentemente seca, causando impacto direto na fauna e na flora da região. Os pesquisadores alertam que, caso os planos de construção das barragens sigam adiante, agências governamentais e não-governamentais dos países envolvidos, incluindo o Brasil, devem atuar em colaboração para garantir que os benefícios para o desenvolvimento não ocorram em detrimento da integridade do ecossistema amazônico.

O governo do Peru decidiu temporariamente não construir grandes barragens hidrelétricas na Amazônia peruana.

— O estudo representa um chamado de alerta para que desenvolvimentistas e ecologistas trabalhem juntos cruzando fronteiras nacionais para encontrar soluções de mitigação dos impactos em escalas inimagináveis algumas décadas atrás — alertou Michael Goulding, cientista da WCS para a Amazônia.

Fonte: Globo