Degradação do meio ambiente: agressão à humanidade
4 de setembro de 2017

Não será surpresa se em tribunais brasileiros ou em organismos internacionais o Brasil ou o governo brasileiro forem condenados por ofensa a normas constitucionais e disposições legais ou a compromissos jurídicos formalmente assumidos, relacionados com a preservação do meio ambiente.

Na realidade, as ocorrências de degradação ambiental têm sido muito frequentes no Brasil, praticadas por investidores e aventureiros que, à busca de ampliação de seu patrimônio ou de qualquer ganho econômico, agem com desprezo por normas constitucionais e por disposições legais. Bem recentemente, no dia 30 de Agosto, o Brasil sofreu uma grave derrota na Organização Mundial do Comércio, que condenou sete programas de incentivo à indústria nacional por considerar que eles violavam regras do comércio internacional que o Brasil está obrigado a obedecer.

Condenação semelhante poderá ocorrer por ofensa a preceitos internacionais da área do meio ambiente. Com efeito, em dezembro de 1972 foi criado pela ONU o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA, objetivando a proteção do meio ambiente, reconhecido e consagrado como um bem fundamental da humanidade.

E em 2004 foi instalado em Brasília um escritório do PNUMA, precisamente por haver grande interesse internacional na preservação do meio ambiente no Brasil e para que haja maior vigilância e exigência quanto ao respeito às normas internacionais de proteção ao meio ambiente. Assim, pois, busca-se inserir concretamente a ONU na busca de efetivação da proteção ambiental, ficando evidenciado que se dá grande importância, nessa área, às circunstâncias brasileiras.

Como tem sido muitas vezes noticiado, são freqüentes no Brasil as ações ofensivas das normas de proteção ao meio ambiente. Um fator agravante que vem ocorrendo agora é o absurdo de que o governo federal brasileiro, que deveria ser um vigilante atento e rigoroso do respeito às normas jurídicas nacionais e internacionais que obrigam o Brasil pelos que aqui exercem atividades ou tomam iniciativas que põem em risco a preservação do meio ambiente, vem tomando iniciativas anti-sociais e anti-jurídicas para favorecer os agressores dos direitos ambientais.

Na realidade, o poder político brasileiro está hoje ostensivamente subordinado ao poder econômico e uma das graves conseqüências é que os valores éticos, jurídicos e sociais são desprezados, ou claramente agredidos, pelos que, tendo assumido o controle quase absoluto do poder governamental colocam a supervalorização da economia e sua busca de ganhos econômicos acima de qualquer outro valor ou objetivo.

Um fato escandaloso, claramente denunciador da sobreposição dos interesses econômicos sobre as normas jurídicas e os interesses sociais, foi a publicação de um decreto do Presidente da República, o decreto federal nº 9142, de 22 de Agosto de 2017, extinguindo a Reserva Nacional de Cobre e Associados localizada na região amazônica. Essa reserva, legalmente identificada como RENCA, abrange parte dos Estados do Pará e do Amapá, tendo a extensão de 47 mil quilômetros quadrados, sendo maior do que os territórios da Suíça, Holanda ou Dinamarca.

A RENCA foi criada por um decreto do Presidente João Batista Figueiredo, em fevereiro de 1984. Estava-se no fim do período dos governos militares e havia um plano militar de exploração, por meio de uma instituição estatal, de grandes jazidas de cobre existentes na região. Esse plano não chegou a ser implantado, mas a criação da reserva, obstando a exploração da área pela iniciativa privada, implicou a imposição de restrições a investidores e aventureiros, protegendo amplas áreas florestais e as terras indígenas ali existentes.

A extinção da RENCA pelo decreto presidencial de 22 de Agosto foi recebida com surpresa, gerando muitas manifestações, algumas delas indignadas, de pessoas e instituições, que além de se mostrarem surpresas chamaram a atenção para os graves efeitos daquela iniciativa. O Diretor Executivo da ONG WWF-Brasil, Maurício Voivodic, manifestou-se através de um texto publicado no site da instituição, afirmando que a extinção da RENCA poderá provocar impactos irreversíveis sobre o meio ambiente e os povos da região. E acrescentou, textualmente: “Além da explosão demográfica,  desmatamento, perda da biodiversidade e comprometimento dos recursos hídricos, haverá acirramento dos conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais”.

Outra manifestação interessante, que chama a atenção para as graves omissões do governo federal, foi feita pelo geólogo Wilson Scarpelli, em mensagem enviada ao jornal “O Estado de São Paulo”. Embora ressalvando que o motivo da instituição da RENCA foi impedir investimentos de empresas estrangeiras naquela área, ressalta que hoje somente garimpeiros trabalham naquela área, tranquilamente retirando ouro sem fiscalização, sem controle, poluindo o meio ambiente com mercúrio e sem pagar impostos”.

Entre as reações mais consequentes, opondo-se à extinção do RENCA, merecem especial referência duas ações judiciais. Em Brasília foi proposta Ação Popular na Justiça do Distrito Federal, distribuída à 21ª. Vara Federal. Apreciando o pedido e considerando sua fundamentação, o Juiz Rolando Valcir Spanholo determinou a suspensão do decreto que extinguiu a RENCA, argumentando que por sua natureza e pelos efeitos da extinção a RENCA só poderia ser extinta por meio de uma lei federal e não por um decreto.

Paralelamente, o Ministério Público Federal do Amapá protocolou na Justiça Federal uma ação pedindo a revogação judicial do decreto que extinguiu a RENCA. Entre os argumentos que sustentam o pedido, afirma o Ministério Público que essa extinção “é uma afronta à Constituição e mantém o meio ambiente sob ameaça de um ecocídio”.

O grande número de reações contrárias e sua natureza e intensidade levaram a presidência da República a publicar no dia 30 de Agosto o decreto número 9147, revogando o decreto nº 9142, que foi publicado apenas cinco dias antes. O novo decreto declara revogado o anterior mas mantém a extinção da RENCA, estabelecendo, entretanto, uma série de restrições e dizendo, textualmente, que a exploração mineral só fica autorizada nas áreas em que não haja unidades de conservação da natureza ou terras indígenas demarcadas.

Esse novo decreto não altera substancialmente a questão da inconstitucionalidade, tendo havido manifestação do Ministério Público do Amapá afirmando que “o novo decreto não apresenta real modificação do conteúdo do decreto revogado”, mantendo, assim, sua posição favorável à revogação de decreto extintor da RENCA, o que, obviamente, levará a um pedido de revogação do novo decreto, caso a Presidência da República persista nessa agressão ambiental. E tal pedido deverá ser atendido para que tenham prioridade os interesses e direitos da humanidade.

Fonte: Jornal do Brasil