Pesquisa pioneira sobre Cashmere no Brasil
6 de junho de 2017

Fonte: Rural Semanal – ANO XXIV – n° 06 – 26 de maio a 2 de junho de 2017

Texto: Michelle Carneiro

Doutoranda da UFRRJ desenvolve pesquisa pioneira na área de Zootecnia e de produção têxtil

Cabras de diferentes raças nascidas no Brasil produzem naturalmente a fibra têxtil cashmere. A descoberta, fruto da pesquisa da aluna de doutorado Lia Souza Coelho, do Instituto de Zootecnia (IZ/UFRRJ), abre novas perspectivas para o campo de estudos da área e pode inserir o país no mapa dos produtores mundiais do valorizado produto.

Pesquisadora da Rural. Em detalhe, a fibra de cashmere

Pesquisadora da Rural. Em detalhe, a fibra de cashmere

Especialista em microscopia eletrônica, Lia percebeu, ainda no mestrado, que o subpelo coletado de cabras brasileiras poderia ser caracterizado como cashmere. Análises iniciais no Laboratório de Materiais e Dispositivos Supercondutores da UFRRJ atestaram a fina espessura da fibra. Posteriormente, as amostras foram enviadas para o laboratório BSC Eletronics, na Austrália, onde o especialista Marck Brims atestou a média de espessura de 8.46 micrômetros na cashmere brasileira.

– A qualidade da cashmere nacional é superior à encontrada nas tradicionais regiões produtoras da China, Nepal, Mongólia, Himalaia, Afeganistão e Irã. Nossa fibra é a mais fina e mais suave ao toque já encontrada, o que a confere um alto valor comercial – afirma Lia Souza Coelho.

A pesquisadora já analisou amostras coletadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, que despontam como potenciais produtoras de cashmere. O Nordeste conta com 90% dos rebanhos de caprinos do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que possibilitaria a coleta em grande número de animais. Já o Sudeste e o Sul apresentam uma característica peculiar: produzem maior quantidade de cashmere por animal.

Atualmente, a pesquisa desenvolvida por Lia na Universidade Rural é orientada pela professora Elisa Cristina Modesto, sob o título Avaliação qualitativa e quantitativa de cashmere no Brasil. O estudo conta com três estagiários e tem como frentes principais de atuação avaliar as características da fibra morfologicamente e desenvolver técnicas para a produção de fio e tecido desta fibra, dando resposta técnica à indústria têxtil e ao produtor rural.

Rentabilidade da coleta de cashmere para os criadores

Capacitação de criadores

Por meio de um projeto de extensão, no qual atuam três alunos da graduação em Zootecnia, a UFRRJ disponibiliza o conhecimento técnico sobre o processo produtivo da cashmere e oferece treinamento para a coleta adequada da fibra a pequenos produtores rurais e grupos familiares criadores de caprinos dos municípios de Itaguaí, Miguel Pereira, Engenheiro Paulo de Frontin e Seropédica.

– Existe um senso popular de que o desprendimento da pelagem suja a baia. Os criadores desconhecem a possibilidade de aproveitamento da cashmere e de sua rentabilidade em comparação à criação para produção de carne. No caso de raças leiteiras, como Saanen e Alpina, a coleta da fibra pode complementar a renda dos produtores – explica a pesquisadora Lia Coelho.

Produção inédita

Além da exportação da fibra de cashmere crua, a pesquisa abre grandes perspectivas para a cadeia têxtil nacional. Na planta piloto de confecção do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SenaiCetiqt), a pesquisadora Lia Souza Coelho coordena a produção de fio e de tecido com fibras de cashmere. O objetivo é comprovar a qualidade do produto por meio de análises físicas e químicas e atestar a viabilidade de produção em larga escala.

A fibra brasileira também foi submetida a testes colorimétricos para determinar as cores naturalmente apresentadas no material. Além do branco, a cashmere apresenta cor marrom, com variações do tom escuro ao claro, e a mesclada de marrom com branco. A importância de determinar as cores e o quão branca é a fibra vai de encontro à necessidade da indústria têxtil de buscar soluções para a economia de água na produção e no tingimento de malhas e tecidos.

A pesquisadora da UFRRJ também realiza estudos para aproveitamento de outra característica da fibra: ser naturalmente protetora de raios ultravioleta.

– As fibras de origem animal são naturalmente protetoras da radiação ultravioleta, o que abre novas perspectivas de utilização em um país tropical, como o nosso. Estamos trabalhando na produção de fio puro de cashmere e misturas com algodão, patrocinados pela empresa IncoFIOS, de Santa Catarina, e o Senai-Cetiqt – afirma Lia.

As potencialidades da fibra ainda devem ser mais bem investigadas no Brasil. O projeto Avaliação qualitativa e quantitativa de cashmere no Brasil já rendeu o registro de dois pedidos de patente ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Em junho, a doutoranda Lia Souza Coelho apresentará os resultados da pesquisa na Conferência Internacional de Fibras Naturais, que acontecerá em Portugal.