Os inúmeros crimes relacionados aos pássaros em gaiolas
16 de janeiro de 2023

Hoje meu artigo é destinado aos que pensam que passarinho em gaiola é uma coisa de menor importância e secundária. Tentarei mostrar a teia de graves crimes que se relacionam com essa prática nefasta, que, em primeiro lugar, independentemente de, infelizmente, ainda ser permitida legalmente, leva o animal a uma situação de penúria permanente por estar aprisionado. Nessa situação a ave tem seus direitos e suas individualidades desrespeitados, impedindo sua liberdade, o que, não obstante embasamentos científicos, é uma clara maldade.

Flagrado um pássaro mantido ilegalmente em gaiola, geralmente lavra-se o artigo 29 da lei nº 9.605/1998, cuja pena de seis meses a um ano de detenção e multa são praticamente inúteis para estabelecer um freio de continuidade delitiva, principalmente para os maiores passarinheiros. Para os traficantes então é ineficaz, talvez até um estímulo. Por experiência de 16 anos como policial, posso afirmar que o artigo 29 é eficiente apenas para aquelas pessoas que têm um ou dois pássaros, que ao serem flagradas não mais continuarão a ter gaiolas com aves, pois aprendem pela dor de responderem a um processo.

Mas o pássaro ilegal em gaiola se liga a muitos outros crimes, pois geralmente ele é oriundo de traficantes que capturam um número enorme de animais na natureza. Esses criminosos agem em grupos organizados (artigo 288 do Código Penal – associação criminosa – ou o parágrafo 1º do artigo 1º da lei nº 12.850/2013 – organização criminosa), aliciando pessoas em áreas rurais, muitas vezes menores de idade (artigo 244-B da lei nº 8.069/1990 – corrupção de menores) para que capturem grandes quantidades de animais.

 

Captura de animais

As áreas de captura, em muitos casos, são unidades de conservação federais, estaduais ou municipais, que têm suas biodiversidades danificadas (artigo 40 da lei nº 9.605/1998), pois quando se retira de forma contínua grande quantidade de animais das áreas conservadas há o desequilíbrio entre as espécies. Esse crime é de difícil comprovação, exige a demonstração pericial do efetivo prejuízo ambiental e, como esse artigo está listado na Seção de Crimes contra a Flora, eu nunca vi ser aplicado contra quadrilhas de traficantes de animais. Talvez nunca o seja, mas é uma tese que considero bastante plausível e que, creio, devemos refletir sobre ela.

Considerando a atuação de quadrilhas de traficantes que adquirem os animais ilegais em grande quantidade para vendê-los de forma comercial, podemos considerar também o parágrafo 1º do artigo 180 do Código Penal – receptação qualificada -, com pena de reclusão de três a oito anos. Esse é um tipo penal que é subutilizado pelas autoridades policiais, uma ferramenta de repressão ao tráfico de fauna excelente, mas, infelizmente, sem muita adoção nas lavraturas flagranciais e que carece de orientações para a aplicação, divulgação e apoio de quem comanda as polícias judiciárias, como também dos Ministérios Públicos e do próprio poder Judiciário.

Falsificação

Vamos partir para a questão da marcação dos animais, em que anilhas falsas vinculadas ao Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros (SISPASS) configuram o crime do artigo 296 do Código Penal – falsificação de selo público. Já com os psitacídeos (papagaios e araras) ilegais, a falsificação de documentos é recorrente, com quem falsifica incorrendo no artigo 298 do Código Penal (reclusão de um a cinco anos) e quem compra e utiliza esses documentos na tentativa de dar uma aparente legalidade ao animal se enquadrando no artigo 304 do mesmo código. Os crimes imediatamente anteriores podem vir acompanhados de “inserção de dados falsos no sistema” (artigo 313-A do Código Penal), falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal) e outros.

Existem outros crimes que se relacionam às questões que rodeiam a prática de aprisionar aves, mas não gostaria de me alongar além do necessário. Pelo destacado, já podemos perceber que impedir animais de voar, além de ser uma crueldade sem fim, envolve ações mais graves do que geralmente as pessoas pensam.

No próximo artigo, abordarei a questão criminal da captura e dos maus-tratos permanentes dos animais silvestres em cativeiro.

Agente de Polícia Federal no Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph) do Rio de Janeiro
nalinhadefrente@faunanews.com.br

Fonte: Fauna News

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