Por: Pascom Paroquia Nossa Senhora das Graças
Pastoral da Comunicação
Na Semana Santa, especialmente na Sexta-feira da Paixão, o cardápio de muitas famílias cristãs se transforma: sai a carne vermelha, entra o peixe — salmão, bacalhau, tilápia ou mesmo o mais caro e curioso “roubá-lo” (robalo). Para muitos, essa substituição é vista como um gesto de fé e devoção. Mas será que comer peixe, por si só, é sinônimo de espiritualidade? Ou seria, como dizem alguns religiosos, apenas uma tradição sem base bíblica que se esvaziou de sentido?
A origem da tradição
A prática de se abster de carne durante a Quaresma e, especialmente, na Sexta-feira Santa, surgiu no século XI, como uma forma de penitência instituída pela Igreja. O Papa Urbano II teria determinado o consumo de peixe nesse período, não apenas por ser um alimento comum e acessível ao povo humilde da época, mas também por seu valor simbólico.
Na fé cristã, a carne vermelha passou a representar o mundo material — com suas paixões, vaidades e pecados — enquanto o peixe, associado a passagens bíblicas importantes como a multiplicação dos pães e peixes e o chamado de Jesus aos seus discípulos para serem “pescadores de homens” (Mt 4,19), tornou-se símbolo de humildade, vida e fé.
Além disso, durante as perseguições romanas, o peixe foi usado como símbolo secreto entre os primeiros cristãos. A palavra grega “icthis” (peixe), escondia uma mensagem poderosa: “Iesous Christos Theou Yios Soter” — “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”.
A crítica à religiosidade vazia
Apesar do forte simbolismo, líderes cristãos têm levantado um alerta sobre o risco de transformar esse gesto em mero ritual vazio. Como explica o missionário Lucas em uma de suas falas viralizadas nas redes sociais, “não há nenhum versículo bíblico que ordene comer peixe na Semana Santa, tampouco que proíba o consumo de carne. Isso é tradição, não mandamento”.
Lucas cita Mateus 15,8-9: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.”
Como pontuou um sacerdote em sua homilia: “Comer peixe na Sexta-feira Santa não é errado. Errado é pensar que isso basta para agradar a Deus.”
“Espiritualidade zero, mas pança cheia”, ironiza, referindo-se à busca por peixes caros como forma de ostentação disfarçada de religiosidade. A crítica se estende ao que ele chama de “negociação com Deus”, em que as pessoas acreditam que cumprir uma tradição externa pode substituir a transformação interior.
Fé que vai além do prato
A Igreja Católica, de forma oficial, recomenda o jejum e a abstinência de carne como gestos de penitência e sacrifício — especialmente na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa. Contudo, como aponta a própria doutrina, tais gestos devem vir acompanhados de oração, caridade e conversão do coração. Caso contrário, correm o risco de se tornarem apenas atos exteriores.
Em tempos em que muitos confundem fé com hábito, o alerta é necessário: a espiritualidade cristã não se resume ao prato, mas ao propósito. Comer peixe na Semana Santa pode ser, sim, uma expressão de fé — se vier acompanhada de reflexão, humildade e busca por viver os ensinamentos de Cristo.
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