Universidades serviram como centros de tortura na ditadura
27 de maio de 2013

No balanço de seu primeiro ano de funcionamento, a Comissão da Verdade constatou que a tortura teve início logo após o golpe de 64, e era uma prática comum de interrogatórios conduzidos pelos agentes do Estado nos primeiros momentos da ditadura. A comissão descobriu que, já naquele ano, funcionavam pelo menos 36 centros de tortura em sete estados, entre eles o Rio de Janeiro. O relatório afirma que os militares utilizaram para as torturas as estruturas físicas de universidades federais e da Petrobras.

A reportagem é de Evandro Éboli e publicada no jornal O Globo, 22/05/13.

Para a comissão, a tortura foi utilizada antes mesmo do início da luta armada, que foi deflagrada no fim de 1968, época do AI-5. O documento registra a ocorrência de 148 casos de tortura em 1964. Ainda com a imprensa parcialmente livre, a divulgação desses atos fez os militares reduzirem a prática nos anos anteriores. Em 1965, os casos registrados de tortura caíram para 35; em 1966, foram 66; em 1967, 50; e em 1968, 85.

— A explosão veio entre 68 e 69, quando o número (de casos de tortura) atingiu 1.027. E não foi só por causa do AI-5(baixado no final de 68), mas por várias outras circunstâncias também. Não podemos concordar com essa história de golpe dentro do golpe — disse a professora Heloisa Starling, assessora da Comissão da Verdade e responsável pela pesquisa.

— A tortura, desde cedo, virou padrão de repressão. Não aconteceu por acaso — disse Paulo Sérgio Pinheiro, integrante da comissão.

Ministros militares no comando

Rio foi o principal foco da tortura no início da ditadura. Heloisa Starling chama a atenção para o número de unidades na capital do estado e no interior onde os militares cometiam essas violações. Dos 36 centros identificados em sete estados, 16 estavam no Rio. Um deles, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica. A Reduc, refinaria da Petrobras em Duque de Caxias, também consta entre os centros de tortura. O relatório registra que o navio-prisão Princesa Leopoldina, fundeado na Baía de Guanabara, foi utilizado como centro de torturas.

Universidade Federal de Pernambuco foi outra instituição usada pelos militares para prender e torturar opositores do regime. Em Santos, outro navio, Raul Soares, também serviu como unidade de repressão. A comissão ainda localizou documento que demonstra que a linha de comando da tortura chegava até os chefes militares, os ministros.

— Toda bibliografia mostrava que a estrutura de comando ia até segundo nível, onde estão os centros de informação (militares). Até agora, só tínhamos depoimentos sobre o envolvimento dos ministros militares. Não havia documentos, mas agora há — disse Heloisa Starling.

O relatório detalha as características da tortura aplicada às vítimas do regime. O pau de arara, que era praticado há anos em delegacia de polícia contra as pessoas mais pobres, foi depois introduzida pela ditadura para combater os militantes de classe média. Foram citados casos de afogamento, banho chinês, choque elétrico, churrasquinho, geladeiras, soro da verdade, telefone e torturas psicológicas.

— Todas as formas de tortura começaram cedo — disse Heloisa Starling.

A possibilidade de a comissão recomendar a revisão da Lei de Anistia também foi discutida. Depois de Cláudio Fonteles e Paulo Sérgio Pinheiro, ontem a advogada Rosa Cardoso, atual coordenadora do grupo, defendeu punição para agentes que mataram e torturaram.

— A judicialização desses casos precisa acontecer. Não resta dúvida — disse ela.

Na plateia, três oficiais da reserva assistiam em silêncio a reunião. No final, o general da reserva Paulo Guedes, sereno, criticou:

— A questão é que a comissão não começou (a investigar a tortura) na origem, que não é 64. Tem que se investigar as torturas praticadas hoje, e não as de décadas atrás — disse o general.

Presidente ordenou extermínio na ditadura, diz Comissão

 

A política de extermínio e tortura de adversários políticos da ditadura militar (1964-1985) foi organizada por assessores diretos do presidente da República, oficiais das Forças Armadas que estavam na ponta da pirâmide. Já nos primeiros anos após o golpe contra o presidente João Goulart, a partir de 1964, o regime montou uma série de centros de detenção e violação de direitos humanos em unidades do Exército. As informações estão num organograma da repressão e num mapa de centros de tortura e detenção apresentados nesta terça-feira pelaComissão Nacional da Verdade.

A reportagem é de Leonencio Nossa e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 22-05-2013.

Em 1970, início da escalada de assassinatos, os ministros Márcio de Souza Mello (Aeronáutica), Orlando Geisel(Exército) e Adalberto de Barros Nunes (Marinha) encabeçavam um esquema que tinha o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), comandado pelo general Syzeno Sarmento, como pólo irradiador das ações e operações.

Logo abaixo dos ministérios militares aparecem os centros de inteligência das três forças CISACIE (atual CIEx) eCenimar, operados respectivamente pelo brigadeiro Carlos Afonso Dellamora, pelo general Milton Tavares e pelo capitão de mar e guerra Fernando Pessoa Rocha Paranhos. Em menos destaque, o organograma aponta a 3a Zona Aérea, do brigadeiro João Paulo Burnier, o I Exército do próprio Syzeno Sarmento e o 1o Distrito Naval, do almiranteOctávio José Sampaio Fernandes. Oficialmente, 361 pessoas foram mortas pela ditadura. Grupos de direitos humanos citam 457.

O organograma da repressão e o mapa dos centros de tortura e detenção foram elaborados pela pesquisadora Heloísa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela incluiu no mapa centros de tortura que funcionavam em unidades militares no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em Goiás, na Bahiae em Pernambuco. O estudo ressalta que as torturas já ocorriam no período considerado “brando” da ditadura, de 1964 a 1968, quando foi assinado o AI-5, que aumentou a repressão no País. Instrumentos de tortura como o pau de arara (barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e os joelhos do preso, que fica suspenso de ponta-cabeça), o banho chinês (a cabeça do torturado é forçada para dentro de um barril de água) e o churrasquinho (introdução de papel retorcido no ânus do torturado, e depois ateado fogo) e telefone (aplicação de golpes com as palmas das mãos abertas nos ouvidos do preso).

Em 1964, o general Ernesto Geisel, mais tarde presidente, é encarregado de apresentar um relatório sobre denúncias de tortura em Pernambuco. Para Heloísa StarlingGeisel escondeu que a tortura já era uma prática em unidades do Exército. O relatório do general teria, na avaliação da pesquisadora, dado início ao uso da tortura como instrumento de interrogatório. A tortura estaria, ainda segundo o estudo da Comissão Nacional da Verdade, na origem do golpe militar. No Estado de São Paulo, a pesquisa cita a Base Aérea de Cumbica, o Departamento de Ordem Política e Social e o quartel do 2o Exército, na capital, e o Navio-Prisão Raul Soares, em Santos, como centros de tortura.

“Vítimas VIPs”

A comissão ouviu críticas da plateia. Iara Xavier, representante das famílias de mortos pela ditadura, disse que não enxergava avanço nas investigações e pediu foco nas mortes de perseguidos políticos. “Como familiar, não me senti esclarecida do que está sendo feito até agora”, afirmou. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que irá entrar com pedido de esclarecimento ao Ministério da Defesa sobre a “mentira” da Marinha e a manutenção de segredo dos documentos. “A mentira é inaceitável para quem quer construir uma ordem democrática”, disse. “Os atuais comandantes militares se solidarizam com os antigos chefes, o que não é adequado para as Forças Armadas.”

Paulo Sérgio Pinheiro, integrante da comissão, rebateu críticas de que o grupo só investiga assassinatos de personalidades do passado, como o ex-deputado Rubens Paiva e o ex-presidente João Goulart. “Ao contrário do que dizem alguns incautos, a comissão não trata de vítimas VIPs. O presidente João Goulart não tem culpa de ter sido presidente”, disse. Pinheiro anunciou que, na quarta-feira, será realizada uma reunião, em Porto Alegre, para discutir a exumação do corpo do ex-presidente. A comissão foi cobrada especialmente pela demora em investigar violações de direitos humanos no campo. Entidades que defendem camponeses querem tratamento igualitário.

Marinha ocultou informações sobre mortes na ditadura, diz comissão

 

Ao apresentar o balanço de um ano de suas atividades nesta terça-feira, 21, a Comissão Nacional da Verdaderevelou que a Marinha Brasileira ocultou informações sobre mortes cometidas durante a ditadura militar.

Em 1993, o então presidente Itamar Franco determinou ao ministro da Justiça, Mauricio Correa, o levantamento de informações com a Marinha, o Exército e a Aeronáutica sobre desaparecidos na ditadura militar. A Comissão da Verdade conseguiu identificar 12.072 documentos do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) sobre 11 desaparecidos e fez um cruzamento com as respostas prestadas pela Força Armada ao governo Itamar Franco.

A informação é publicada pela Agência Brasil, 21-05-2013.

Segundo a comissão, um dos documentos, de dezembro de 1972, tratava da morte do ex-deputado Rubens Paiva. Em 1993, a Marinha informou ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça e à Presidência da República a versão oficial de que Paiva teria fugido quando estava sob custódia do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2º Exército, no Rio de Janeiro, e que seu paradeiro era desconhecido.

“O primeiro resultado parcial [da comissão] é o fato de que a Marinha Brasileira ocultou deliberadamente informações ao Estado brasileiro, já no período democrático. A importância desse documento é que indica que existem na Marinha Brasileira 12 mil páginas referentes aos 11 desaparecidos que apresentamos aqui”, disse a historiadora Heloísa Starling, responsável por sistematizar as informações levantadas pela comissão.

De acordo com a comissão, o cruzamento das respostas das Forças Armadas com osimgres documentos obtidos durante a investigação apontou que a Marinha ocultou as mortes de pessoas. “O Cenimar foi um dos organismos mais ferozes de repressão da ditadura. É uma relação muito extensa das informações que a Marinha tinha sobre as pessoas. Ela sabia que estavam mortas”, disse.

 

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